Críticas


FRIDA

De: JULIE TAYMOR
Com: SALMA HAYEK, ALFRED MOLINA, EDWARD NORTON, GEOFFREY RUSH
04.04.2003
Por Luciano Trigo
UMA FRIDA SEM BIGODE

A sua Frida tem bigode ou é sem bigode? Longe de ser leviana, esta pergunta é determinante para a reação do espectador ao aguardado filme de Julie Taymor sobre a pintora mexicana. Se ele imaginar uma Frida sem bigode, seguramente sairá do cinema enlevado, com a sensação de ter visto um grande filme. Se sua Frida, ao contrário, tiver bigode, a frustração é inevitável. Porque a Frida de Salma Hayek é sem bigode.



Não me refiro apenas ao bigode literal, embora este também esteja ausente do rosto cuidadosamente maquiado de Salma. O bigode de que falo é conceitual. Junto com os pelos, eliminaram-se todos os aspectos da vida e da personalidade de Frida Kahlo potencialmente desagradáveis ao espectador americano médio. Seu ideário político, por exemplo, é reduzido a um capricho de mulherzinha “à frente de seu tempo”. Até seu sofrimento – tanto o físico quanto o psicológico – é pintado em cores light, apenas na dose mínima necessária para se passar uma mensagem de coragem e superação. Diego Rivera, por sua vez, é reduzido a um patétitico panzón mulherengo, um personagem ridículo feito para fazer rir, sem qualquer consistência psicológica ou verdade interior.



O que dizer então de Trostsky, Tina Modotti, Rockefeller, Picasso? São apenas sombras de clichês, cuja única função é completar o álbum de figurinhas famosas em que o filme transforma a vida de Frida. Da mesma forma, todo o riquíssimo contexto intelectual e político do México da época é transformado em mero pretexto para realçar o percurso individual da protagonista.



Tecnicamente, Frida é impecável, da trilha sonora à fotografia, com interessantes efeitos especiais que fundem a vida e a arte da pintora. E Chabela Vargas cantando “La Llorona” diante de uma garrafa vazia de tequila é um momento especial do filme, mas não deixa de ser um apêndice – mais ou menos como Caetano cantando “Cucurucucu Paloma” em Fale com Ela. Pena que ao refinamento visual e ao bom gosto plástico não corresponda um mínimo de preocupação em se investigar os sentidos mais profundos da arte e da trajetória pessoal de Frida Kahlo.



Ou seja, por mais que esta crítica seja previsível, é inevitável dizer que Frida se ressente de ser um filme concebido, escrito e dirigido por gringos, que não têm nada a ver com a cultura mexicana. E é apenas um detalhe que o filme seja todo falado num irritante inglês com sotaque cucaracha, prática de “ilusionismo pela metade” comum em Hollywood, cujo sentido eu nunca entendi: será que é para o espectador americano achar que sabe espanhol? Ou será que ele pensa que no México se fala assim?



Não nego as boas intenções de Julie Taymor e Salma Hayek – ao que consta, fascinada pela personagem desde os 14 anos. Mas, pessoalmente, prefiro a Frida com bigode, como aquela que o mexicano Paul Leduc retratou em Frida, Natureza Viva, em 1984, com Ofelia Medina no papel principal – que Julie Taynor, aliás, diz não ter visto. Como consolo, vale lembrar que podia ser pior: Madonna e Jeniffer López também estiveram de olho no papel.



# FRIDA (FRIDA)

Estados Unidos, 2002

Direção: JULIE TAYMOR

Roteiro: CLANCY SIEGEL, DIANE LAKE, GREGORY NAVA e ANNA THOMAS

Música: ELLIOT GOLDENTHAL

Fotografia: RODRIGO PRIETO

Elenco: SALMA HAYEK, ALFRED MOLINA, EDWARD NORTON, GEOFFREY RUSH, ASHLEY JUDD, ANTONIO BANDERAS



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