Críticas


AMOUR

De: MICHAEL HANEKE
Com: EMMANUELLE RIVA, JEAN-LOUIS TRINTIGNANT, ISABELLE HUPERT
29.01.2013
Por Carlos Alberto Mattos
Um homem... Uma mulher

Vencedor da Palma de Ouro de Cannes e do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, barbada para o Oscar nesta categoria e ainda indicado em várias outras (inclusive melhor filme), Amour é um dos grandes sucessos do cinema autoral recente. Cada novo filme de Michael Haneke tem sido assim. O estilo ascético de filmar, os temas “graves” e o talento extraordinário na condução dos atores fizeram dele umdarling de festivais mundo afora. É preciso também considerar que, ao contrário de outros diretores do cenário germanófono, Haneke se aproximou decididamente dos capitais, elencos e mitologias do cinema francês, assim ampliando o alcance cultural de seu trabalho.

Não é à toa que, desde 2000, a maioria dos filmes têm títulos originais em francês:Code Inconnu, La Pianiste, Caché e, depois do interlúdio alemão de A Fita Branca (Das weisse Band), agora Amour. Neste, o enredamento com o cinema francês é ainda mais denso. Emmanuelle Riva, que em Hiroshima Mon Amour lidava todo o tempo com suas próprias memórias e tentava despertar as do namorado japonês, em Amour é uma esposa idosa (seria a Professora de Piano mais velha?) que começa a perder a memória e as faculdades mentais. Por sua vez, Jean-Louis Trintignant, o amante por excelência de tantos filmes memoráveis, faz aqui o marido devotado que leva a um extremo sua capacidade de amar a mulher fragilizada.

Como de costume, Haneke nos confronta com os nossos maiores temores. Filmes como Violência Gratuita e Caché são sobre casais ou famílias ameaçadas por elementos externos. Em A Fita Branca e Amour, essa ameaça não vem de fora, mas de dentro do núcleo, seja ele a aldeia fechada em si mesma, seja o organismo da mulher afetado pela doença. O risco de ruptura nas células harmoniosas é o tema predileto do diretor. Um tema conservador, sem dúvida, e que vem cortejando a segurança íntima do público diante de filmes em que tudo é insegurança.

Já chamei Haneke de cineasta fascista e ainda não sei se estava errado. Sua disposição para explorar o incômodo do espectador chegava às raias do sadismo emViolência Gratuita, por exemplo. Não gosto de me sentir como cobaia no cinema. Mas devo reconhecer que a crueldade de Haneke vem assumindo uma feição mais sutil. Ainda incômoda, sim, mas menos truculenta. O roteiro deAmour causa desconforto por fazer cenas duras serem sucedidas por cenas mais duras ainda. A rotina do casal enfermidade a dentro é exposta com o mais doloroso naturalismo, muito embora Haneke jamais faça disso exatamente um drama. Curiosamente, quem chora e mais parece se comover são personagens menos envolvidos diretamente. O marido cuida da mulher com um misto de devoção e tristeza profunda, seca, quase uma dureza. Trintingnant e Riva têm performances de uma sutileza e uma veracidade angustiantes. Chega a ser cruel ver a atriz concorrendo a tantos prêmios, enquanto o ator se mantém um tanto à sombra. O fato é que não há hierarquia na qualidade de suas atuações.

O austríaco mais famoso do momento continua a ser um artista amargo e confrontador. Mas sua impiedade nunca esteve tão doce e sóbria como em Amour. Até porque esta é, verdadeira e penosamente, uma história de amor.



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Outros comentários
    9
  • Alberto Flaksman
    23.02.2013 às 10:03

    Amour é um filme inútil, frio, voyeurista, quase no limite do pornográfico. O que os críticos do mundo todo puderam ver nesse exercício vazio de sentido? A crônica naturalista, narrada com detalhes, num tempo por vezes irritantemente lento, do envelhecimento e decadência física e mental de um casal de velhos. Isso é interessante? As pessoas envelhecem, ficam doentes e morrem. Você sabia? Haneke, aparentemente, descobriu essa novidade. Mas a verdade é que essa história não é nova nem original. Conhecem-se inúmeros relatos de casos semelhantes, seja na vida real ou na arte, de um homem e uma mulher que envelhecem juntos, um deles adoece, o outro sofre e se se desespera. Mas Amour narra essa história de uma forma que nem é especialmente bela, nem tocante, nem que possa servir de alimento para uma reflexão rica sobre a velhice e a morte, ou possa trazer alguma nova emoção sobre esse tema. Não, nada disso. Amour é frio, como são frias as relações entre o casal de velhos, e entre esses e a filha. Durante duas horas, o casal que viveu junto, imaginamos, a maior parte de suas vidas, é incapaz de articular sequer um diálogo expressivo. No máximo, algumas observações banais sobre um concerto ao qual acabaram de assistir – ela é professora de piano – ou uma gravação de um antigo aluno. É mais do que pouco, é quase nada. O roteiro e os diálogos do filme são primários, absolutamente previsíveis, óbvios e superficiais. Quando a filha vem fazer uma visita ao apartamentodos pais, que é praticamente a única locação do filme, o pai se põe a fazer perguntas como se fosse a primeira vez que a vê na vida, o que dá a ela a oportunidade de expor toda a sua história, falar do marido e dos filhos. Um truque banal de escrita cinematográfica, um diálogo expositivo que incomodaria a qualquer roteirista principiante. A filha chega a dizer ao pai a idade do filho mais velho e comentar sobre a sua profissão, o que nos faz presumir uma das duas coisas seguintes: ou o velho é um pai e avô totalmente ausente e negligente, desinteressado da vida da filha e dos netos, e nesse caso não se entende porque resolveu se mostrar interessado justamente neste momento; ou nada disso faz mesmo sentido, o roteirista é que é ruim e não sabe como fazer para permitir ao personagem da filha fazer o seu monólogo expositivo. Alguém dirá que o filme prima pelo realismo, por retratar a velhice, a doença e a morte exatamente como são. Isso é uma qualidade? E se alguém deixasse uma câmera ligada dentro de uma UTI, isso daria um grande filme? Nem a linguagem cinematográfica apresenta qualquer qualidade particular. Fazer grandes e longos planos fixos enquanto personagens falam ou se arrastam diante da câmera não chega a ser nada de admirável. Acho que a crítica se impressiona com esse tipo de filme porque ele retrata uma história infeliz, um momento de tristeza e abandono. A miséria, a dor e a desesperança parecem constituir a matéria artística por excelência para a maioria das pessoas. Se algo vai mal, e é narrado cruamente, sublinhando aquilo que incomoda e dói, então é arte de verdade. Por quê? Porque o verdadeiro artista, dirão, é aquele que fala da infelicidade. Todo mundo morre, mas Haneke se pergunta por que ninguém mostra como se morre de velhice e doença progressiva, e resolve mostrar. O que isso tem de novo ou interessante? Nada. Nem a questão da eutanásia chega a ser apresentada de uma forma particularmente instigante. O que a crítica mundial viu nesse filme? Não consigo compreender, será que sou eu que estou perdendo o senso?