Críticas


INDOMÁVEL SONHADORA

De: BENH ZEITLIN
Com: QUVENZHANÉ WALLIS, DWIGHT HENRY
20.02.2013
Por Maria Silvia Camargo
É desta maneira de abordar temas universais que o cinema americano e mundial precisam.

É fácil resumir do que trata Beasts of The Southern Wild (com o título fofo de Indomável Sonhadora por aqui), do estreante Benh Zeitlin. Fala da vida de uma garota de seis anos e seu pai vivendo à margem da civilização. Eles poderiam estar numa favela, acampamento do MST ou debaixo de um viaduto em qualquer lugar do mundo. A diferença é que Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) e seu pai (Dwight Henry) gostam de onde vivem, um pedaço de terra chamado A Banheira, cercado de água por todos os lados - um cenário pós-apocalíptico após a passagem do Katrina em Nova Orleans. Hushpuppy sequer conhece uma cidade. Considera que, entre escombros (dos imóveis locais e das refinarias de óleo ao redor) e a abundância de comida (pescam peixe e mariscos com a mão), está no paraíso, o lugar onde “existem mais feriados do que em qualquer outro do mundo”. Seu ponto de vista fantasioso e infantil também percebe duas grandes ameaças a este Éden: as súbitas mudanças de humor do pai e a vinda de um outro furacão.

Mas, como o filme é uma alegoria, esta sinopse simples se desdobra várias vezes. Aos poucos vamos entendendo as minúcias de A Banheira, onde ela se localiza e que época é aquela. As elaboradas imagens do diretor de fotografia Ben Richardson (vencedor no Festival de Sundance 2012) trabalham com luz e sombra e vão alternando festa – quando os habitantes comemoram a posse daquele espaço interditado pelo Estado – com momentos escuros, quando as tempestades da natureza e entre o pai e a menina explodem. Dizem que todo o conflito pai e filha está na peça que deu origem ao filme, Juicy and Delicious, escrita por uma amiga de infância do diretor, Lucy Alibar. Hoje ambos têm 30 anos, mas desde os treze Lucy envia ao amigo suas histórias.Ela também é a responsável pelo roteiro, mas a forma lenta e peculiar de Beasts é o resultado de um coletivo de amigos, a produtora Court 13.

“O processo deste filme foi sujo, duro, uma verdadeira bagunça”, explicou Benh a um repórter*¹ no Festival de San Sebastián. Quase quatro anos se passaram entre o início da produção e o lançamento do filme. Procurando fazer algo “verdadeiro, com pessoas reais, cheias de experiência de vida”*² Benh, americano que vive entre o Queens e Nova Iorque (onde estudou cinema e trabalhou como projecionista), foi parar na Grécia e em Praga em busca de locações, antes de descobrir a vizinha Nova Orleans. A protagonista Quevenzhané Wallis foi selecionada em meio a quatro mil crianças e ela e o não-ator que representa seu pai, Dwight Henry (na vida real, um padeiro pai de cinco filhos), dão uma autenticidade crua ao roteiro. Ainda que, destacadas num texto, frases de Hushpuppy³ - como “vejo que sou um pequeno pedaço do grande universo e isto faz sentido” - possam parecer piegas, no circo montado pelos jovens do Court 13, tudo fica orgânico. Beasts of the Southern Wild é diferente, uma mistura de Fitzcarraldo, de Herzog (um dos filmes preferidos de Behn) com contos-de-fadas dos irmãs Grimm. É desta maneira de abordar temas universais, desta nova pegada, que o cinema americano e mundial precisam, o que transforma Beasts num filme, hoje, imperdível.



¹-²*Entrevista do diretor ao repórter português Paulo Portugal no site Cinema 7.

³* Hushpuppy não é a junção do verbo hush (ficar quieto ou silenciar) com o substantivo puppy (filhote), mas o nome de um bolinho de pão de milho muito popular na Louisiana.

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