Críticas


FESTIVAL DO RIO 2003: MALETAS DE TULSE LUPER, AS

De: PETER GREENAWAY
Com: J. J. FIELD, DREW MULLIGAN, YORIK VAN WAGENIGEN
04.10.2003
Por Carlos Alberto Mattos
NARCISO NO COMPUTADOR

Tulse Luper é Peter Greenaway. Tulse Luper é um personagem fictício. Tulse Luper é uma metáfora. Ora, dane-se Tulse Luper! Com vinte minutos de projeção, qualquer espectador está irremediavelmente derrotado na luta para atribuir sentidos ao mais novo delírio audiovisual de Greenaway. Resta, então, usufruir do espetáculo.



As Maletas de Tulse Luper é um projeto multimídia que nasceu na internet (www.tulseluper.net), há cerca de dois anos, e inclui DVDs, livros e filmes. Greenaway, em sua perseverante tentativa de ser o Da Vinci da era digital, quer contar a história de parte do século 20 (da descoberta de urânio no Colorado em 1928 à queda do Muro de Berlim) através desse estranho personagem, síntese dos desenhistas, arquitetos e escritores retratados em seus filmes anteriores. O opus em cartaz no Festival do Rio, A História de Moab é o primeiro de uma prometida trilogia.



Greenaway é uma espécie de Bispo do Rosário intelectual: ambiciona inventariar o mundo através de coleções fetichistas. Não bastassem as 92 maletas que se abrirão ao longo da trilogia para supostamente definir quem é Tulse Luper, o cineasta agora coleciona pedaços de si próprio. Acumula referências a sua obra pregressa, inclusive à ópera multimídia 100 Objetos para Representar o Mundo, montada no Rio pelo CCBB. É Narciso mirando-se no reflexo da tela de um computador.



Como um menino deslumbrado com um brinquedo caro, Greenaway abusa da narrativa em cascata. O pretenso modelo são As Mil e Uma Noites, mas o que vemos encontra-se mais próximo da estética do Windows: janelas que se abrem e se deslocam na tela, imagens recortadas, camadas de textos, mosaicos, fragmentos sampleados. Estamos um passo além da edição pura e simples, por mais moderna que ela possa ser. O tempo não se caracteriza por uma sucessão de fatos, mas pela simultaneidade. A duração se dá no espaço. O espaço tampouco se define por qualquer tipo de realismo. Ora é um bairro de casas sem paredes (quanto a isso, Dogville não está sozinho), ora são cenários teatrais ou paisagens alteradas digitalmente.



O filme é tão fascinante quanto cansativo, principalmente para quem não possui alto domínio do inglês. Um texto incessante e imperioso obriga o espectador a uma maratona ocular entre as legendas e a multiplicação de elementos na tela. Poucos não desistem da tradução para melhor aproveitar as imagens. Além do mais, nesse mundo de artificalismo pomposo Greenaway despeja suas fixações corporais sem a menor cerimônia. Através da nudez, do sexo e dos banhos, suas criaturas pretendem sublinhar a natureza crua que subjaz às formulações da História e da Arte. A afronta soa um tanto pueril e um bocado déja vu. Uma regressão dentro da obra do diretor, embora tenha lá seus momentos de indesmentível beleza.





# AS MALETAS DE TULSE LUPER – PARTE 1: A HISTÓRIA DE MOAB (The Tulse Luper Suicases – Part I: The Moab Story

INGLATERRA/HOLANDA, 2003

Direção e roteiro: PETER GREENAWAY

Elenco: J. J. FIELD, DREW MULLIGAN, YORIK VAN WAGENIGEN, KEVIN TIGHE, JORDI MOLLA

Duração: 126 minutos

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