Críticas


ANOMALISA

De: DUKE JOHNSON, CHARLIE KAUFMAN
Com: Vozes de DAVID THEWLIS, JENNIFER JASON LEIGH, TOM NOONAN
14.02.2016
Por Susana Schild
Dificilmente deixará o espectador indiferente.

Um deprimido autor de best-seller de auto-ajuda – do tipo "Como posso ajudá-lo a ajudá-los" – encontra carente atendente de call center. Emocionante, não? Quando essas duas almas penadas se cruzam, o resultado poderia ser uma história de amor, nem que fosse curtinha. Mas o convencional é pouco para Charlie Kaufman, roteirista de cults como Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Quero ser John Malkovich, Sinédoque – Nova York (este, sua estreia como diretor). Fiel à obsessão por personagens em crise de identidade e egos fragmentados, Kaufman, em direção dividida com Duke Johnson, oferece Anomalisa, primeira animação na faixa R-rated (proibido para menores de 17 anos desacompanhados) na corrida ao Oscar da categoria. (Entre os adversários, o brasileiro O menino e o mundo, de Alê Abreu).

Tudo começa quando Michael Stone pega um avião para Cincinatti. Nas alturas, lembra uma carta recebida dez anos antes de uma namorada sobre uma ruptura afetiva. Por quê? Não se sabe bem. O que se deduz é que Stone (traduzindo: pedra) dispõe de poucos motivos para alegria. Ele, para dizer o mínimo, sente-se um estranho no mundo ou, pelo menos, no mundo em que vive. Como, aliás, parecem estranhos todos à sua volta - motorista de táxi, porteiro do hotel, atendentes, entre tantos representantes de uma impessoalidade bem formatada e padronizada. Até entrar em cena Lisa - e com ela, quem sabe, a possibilidade de um encontro humanizado.

A opção dos realizadores pela técnica em stop motion (construída a partir de bonecos reais) é virtuosa e rigorosamente coerente com a reprodução de uma sociedade robotizada em seus mínimos detalhes. Os desenhos de poucas expressões - mas suficientes – não retratam marginais ou outsiders, mas pessoas comuns imersas em um cotidiano sem sentido salvo consumir – e levar os outros a fazerem o mesmo. Uma prova da mesmice se estende à artimanha da dublagem: o casal principal se expressa por vozes dos atores David Thewlis e Jennifer Jason Leigh, enquanto os demais personagens – incluindo mulheres e crianças - têm uma única voz (do ator Tom Noonan).

Em cenário pouco otimista, Stone sofre ainda de uma síndrome rara, Fregoli (como o nome do hotel) que o leva a pensar que todos os ‘outros’ são na verdade uma só pessoa. E no fundo, são mesmo, com suas pequenas expectativas e grandes decepções. Como escoadouro, uma noite de sexo ardente. Mas tem o café da manhã....

É pouco provável que filme tão amargo leve um Oscar de categoria comumente associada à diversão. Bizarro, angustiante e claustrofóbico, Anomalisa (referência à anomalia brasileira de ser o único país da América Latina a falar português), dificilmente deixará o espectador confortável. Ou indiferente. A vida de Stone pode não ter sentido. Mas o filme tem.

Publicado em O Globo em 28 janeiro 2016

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