Estranho ver um menino inglês de 12 anos em pleno século 21 não aparecer em nenhuma cena deslizando o dedo num celular. Esse é o primeiro indício que mostra como, por trás de uma certa normalidade, Sete Minutos Depois da Meia-Noite (A Monster Calls, título original) gira fora do eixo do cinemão. O filme se passa na Londres atual e Connor O’Malley, o garoto em questão, prefere se refugiar com um lápis e uma caixa de tintas numa página em branco. Connor (interpretado por Lewis MacDougall) recusa-se a integrar qualquer grupo, seja na escola, na rua ou na família. No universo dele, o que se pavimenta é apenas um caminho: aquele do papel, em que uma aquarela explode em escarros e respingos compondo formas inusitadas como num quadro de expressionismo abstrato. Dependendo do ângulo pode-se imaginar uma revoada de corvos ou uma poeira negra levitando de um incêndio, mas quando finalmente toda tinta negra se aglutina, uma estranha criatura, mix de árvore e humanoide aparece. Esse monstro de olhos de fogo encara Connor. É igualzinho à árvore retorcida no cemitério que o menino avista da janela de seu quarto.
E aí, no tic-tac nervoso daquela mesma noite em que a figura o encarou no papel, mais precisamente à meia-noite e sete, o monstro desperta no cemitério para vir atrás do garoto.
O tom em Sete Minutos Depois da Meia-Noite é sinistro com poucos momentos de alivio. A criatura assombra, ameaça e, bem ao inverso de O Bom Gigante Amigo, não convida para nenhum tipo de aventura. Ao contrário, o monstro aparece para contar três histórias - e em cada uma quebra uma parede da fantasia, forçando Connor a encarar uma dura verdade. A mãe Lizzie (vivida por Felicity Jones de Rogue One) está com câncer em fase terminal e não restam muitas opções ao garoto: o pai (Toby Kebbell) é uma figura ausente, e a avó (Sigourney Weaver), uma mulher rígida, antiquada e difícil.
O filme é uma aposta arriscada do diretor Juan Antonio Bayona. Tinha tudo para dar errado, mas felizmente Bayona mantém a tradição de seus trabalhos anteriores, o terror de O Orfanato e o drama catástrofe de O Impossível. O humano na obra deste diretor é filmado de tal maneira que podemos vê-lo sem que sejamos aviltados. O medo frente ao vazio e à morte não nos abate. Ao contrário, ele provoca uma espécie de embriaguez que torna mais forte e nos ergue para além do nosso destino, tão medíocre e tão derrisório. Desprendido de toda pressão de ordem psicológica, é, antes de tudo, o mistério do ser que Bayona consegue com êxito captar na sua complexidade.
“Sete Minutos...” reforça a tese. Em um sentido literal, o "monstro" revela-se primeiro um enorme cuspidor de fogo, com a voz de Liam Neeson, para cinco minutos depois derivar de significado. Ele é a metáfora para o desconhecido, para a morte, mas também para a vida. Representa anseios sufocados e sentimentos que - mesmo um garoto imaginativo - mal sabe definir.
Cada um dos três contos narrados pelo monstro oferece uma surpresa estética. São animações nascidas de borrões de tintas que tratam de bruxas e príncipes movidos por rancores antigos, e cada um toma um rumo inesperado que deixa Connor mais confuso do que nunca. Nenhum deles segue o habitual arco do bem triunfando sobre o mal.
O mesmo pode ser dito da maneira como Bayona lida com as cenas reais. A cor e a luz são admiravelmente controladas para nunca soar intensas. O vermelho, o amarelo, o marrom dão o toque outonal para um mundo que está escurecendo.
De fato, Bayona continua a ser um estilista visual criativo, a meio caminho entre um Tim Burton e Guillermo Del Toro. E todos os seus atores atingem um equilíbrio notável, representando tanto as emoções mais superficiais de uma cena como insinuando sentimentos profundos. A eficiência do filme é inegável. E ainda que Bayona apele para a morbidez sentimental na cena de encerramento, a beleza da obra desculpa o deslize. Como disse Guiguet sobre "De Barulho e de Fúria", de Brisseau: Que importa a terra tão escura, o céu tão sombrio, se ainda sobra uma parcela de amor?
É esse o tom que se afirma neste delicado trabalho.