Críticas


INDOMÁVEL SONHADORA

De: BENH ZEITLIN
Com: QUVENZHANÉ WALLIS, DWIGHT HENRY
20.02.2013
Por Marcelo Janot
Na forma e no conteúdo, o filme de Benh Zeitlin é uma obra de um frescor cativante.

Muitas comparações têm sido feitas entre Indomável Sonhadora, do estreante Benh Zeitlin, e os filmes de Terrence Malick. Faz sentido, já que a essência de Indomável Sonhadora, assim como a dos filmes de Malick, está na relação entre o homem e natureza. A narração em off, na obra do diretor de A Árvore da Vida e Além da Linha Vermelha, ao invés de ser uma espécie de fio condutor da trama, funciona na criação de uma atmosfera quase onírica através de divagações filosóficas. É o que vemos em Indomável Sonhadora, onde a narração serve como porta de acesso ao pensamento de uma menina de 6 anos.

Hushpuppy (Quvenzhané Wallis, indicada ao Oscar) vive em uma localidade apelidada de "Banheira", próxima de uma represa, numa Louisiana devastada pelo furacão Katrina. Ela e seu pai, um alcóolatra que sofre com problemas cardíacos, se locomovem pela área alagada numa caçamba de caminhonete adaptada como barco a motor. O ambiente pós-apocalíptico enseja a formação de uma pequena comuna que funciona como um mundo idealizado que prescinde do uso de dinheiro, celebra-se a integração permanente com a natureza e onde, nas palavras da menina, "é feriado o ano inteiro".

Esse cenário é fruto da imaginação de Hushpuppy, a maneira encontrada por ela de reconstruir, por um viés otimista, um mundo que lhe é hostil tanto pela ação do homem quanto da natureza. Tudo o que se vê no filme é filtrado por essa visão de mundo que ameniza a dor da ausência da mãe e o sofrimento causado pelo temperamento explosivo e violento do pai.  Há um momento emblemático na última cena do prólogo, uma festa que termina com Hushpuppy correndo segurando fogos de artifício. A maneira como a personagem é enquadrada remete à célebre foto da menina queimada por napalm correndo nua durante a Guerra do Vietnã. Um contraponto de felicidade, multicolorido como todo o filme, ao que poderia ser um cenário de desgraça e tristeza absoluta.

O roteiro se vale desse descompromisso com a realidade justificado pelo ponto de vista da criança para celebrar a crença no triunfo do amor. Tal opção, acompanhada sempre de música folk em tom épico e de alegorias como a presença de gigantescos auroques simbolizando um mundo selvagem a ser domado (daí o metafórico título original, Beasts of The Southern Wild), poderia soar um tanto pueril não fosse o talento da dupla de protagonistas. Se a atriz-prodígio mirim consegue expressar seu sentimento conflitante de maneira convincente, melhor ainda é o desempenho do pai, vivido por Dwight Henry, um padeiro estreando no cinema.

Na forma e no conteúdo, Indomável Sonhadora é uma obra de um frescor cativante. Sofre de algumas imperfeições e excessos característicos da empolgação idealista de um diretor novato de 30 anos, mas consegue transmitir seu recado sem cair na armadilha das "fofices" que contaminaram o cinema independente americano nos últimos anos. Suas indicações ao Oscar de melhor filme e direção, após ter conquistado os prêmios da crítica e o Camera D'Or em Cannes, são um belo estímulo a uma renovação necessária.

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