Críticas


GRAVIDADE

De: ALFONSO CUARÓN
Com: SANDRA BULLOCK E GEORGE CLOONEY
14.10.2013
Por Marcelo Janot
Nem mesmo em “2001”, o maior filme de ficção científica de todos os tempos, o que se viu do lado de fora da nave espacial pareceu tão real

Os tradicionais manuais de roteiro defendem a tese de que são os primeiros 10 minutos de um filme que devem fisgar o espectador. Segundo o professor Syd Field, nessas 10 páginas iniciais do roteiro o personagem principal deve ser devidamente apresentado, junto com a premissa dramática da história. Se ele tivesse atuado como consultor no roteiro que o diretor Alfonso Cuarón e seu filho Jonas Cuarón escreveram, talvez “Gravidade” se tornasse um outro filme. Ou mesmo nem saísse do papel. Afinal, os 10 minutos iniciais se resumem a um bate papo informal entre astronautas em missão no espaço, vistos à distância. Só ouvimos as vozes, porque quem roubará a cena no filme não será um personagem de carne e osso, mas sim o espaço sideral.

Este início intrigante serve para comprovar que fórmulas que deram certo em diversos clássicos hollywoodianos não se aplicam indiscriminadamente. “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, já havia mostrado isso, e neste aspecto os Cuarón se mostram alunos bem aplicados do mestre Kubrick. Mas logo fica claro que “Gravidade” não tem a mesma ambição filosófica de “2001”. Em seus enxutíssimos 90 minutos, há sobretudo - como convém ao cinema clássico hollywoodiano - a preocupação em contar bem uma história. Que é muito simples mas vem com a força devastadora de um thriller claustrofóbico: dois astronautas – um veterano (George Clooney) e uma novata (Sandra Bullock) perdem contato com a Terra e se vêem à deriva após um acidente. Seu objetivo é chegar a uma base espacial próxima, que lhes permita regressar a salvo antes que o oxigênio acabe.

O roteiro enfatiza as características humanas dos dois, aproximando-os do espectador. Enquanto o contador de histórias vivido por Clooney relembra o dia em que foi trocado por outra mulher nos festejos do Mardi Gras de 1987, Bullock se revela uma pessoa fragilizada emocionalmente pela perda da filha pequena. Eles não estão no espaço por serem super-heróis capazes de enfrentar perigosos extra-terrestres. Eles são gente como a gente, que riem, choram e se deslumbram com o nascer do sol (com direito a pequenos deslizes melodramáticos que não chegam a comprometer o filme). Cuarón deve saber que não basta levar o espectador para o espaço criando identificação com seus personagens. É preciso também que ele acredite que aquilo é real, como se tivesse sido filmado em locação.

E é aí que passamos a compreender de fato por que “Gravidade” é um dos filmes mais espetaculares dos últimos tempos – porque nunca, nem mesmo em “2001”, o maior filme de ficção científica de todos, o que se viu do lado de fora da nave espacial pareceu tão real. Mérito de uma equipe encabeçada pelo diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, o mesmo de “A Árvore da Vida”, e pelo supervisor de efeitos especiais Tim Webber. Em “Gravidade”, o 3-D não está lá só para que o ingresso custe mais caro, a pirataria diminua e as pessoas tenham mais dificuldade para interagirem com seus telefones celulares durante a sessão. O 3-D faz com que o espaço sideral se torne mais envolvente, ficando difícil acreditar que os atores rodaram as cenas em estúdio e todo aquele cenário exterior foi criado por gênios da computação gráfica. O cuidado artesanal se estende ao primoroso desenho de som, que vai desde o contraste entre os climas criados pela boa trilha sonora e os momentos do silêncio ensurdecedor do espaço às diferentes modulações de voz indicando quando temos a câmera subjetiva ou observando os personagens.

Sandra Bullock tem a melhor atuação de sua carreira por demonstrar total compreensão do que deve ser vivenciar aquelas situações-limite, em um registro que jamais descamba nem para a histeria do medo ou para a falsa bravura. Enquanto isso, George Clooney se torna forte candidato a protagonizar um momento histórico no Oscar: a primeira vez em que a estatueta iria para a voz, e não para o desempenho corporal de um personagem – Darth Vader estaria vingado.

São tantas as qualidades e requintes em cada detalhe que fica difícil resistir à tentação de rever “Gravidade”. Se para o crítico isso pode significar uma melhor compreensão do conjunto de ideias e da concepção da obra, para o espectador é outro passaporte para reembarcar rumo ao mais próximo do que já se viu da sensação de flutuar no espaço. Por mais que isso possa ser aterrorizante em determinados momentos, o resultado nunca é menos do que fascinante.

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Outros comentários
    825
  • Yasmin
    23.10.2013 às 13:32

    Excelente crítica! O "darth vader será vingado" foi o apice!