Críticas


EU E VOCÊ

De: BERNARDO BERTOLUCCI
Com: JACOPO OLMO ANTINORI, TEA FALCO, SONIA BERGAMASCO
22.12.2013
Por Marcelo Janot
Ainda em forma, Bertolucci dá seu recado de maneira direta e sem grandes ambições

Nos últimos 10 anos, Bernardo Bertolucci esteve envolvido com um problema de coluna que o obrigou a diversas intervenções cirúrgicas e a se locomover em cadeiras de rodas. Talvez por isso ele tenha demorado quase uma década para realizar outro filme desde “Os Sonhadores”, de 2003. Aos 73 anos, fica difícil saber se ele terá energia para outro longa, o que acaba tornando “Eu e Você”, realizado em 2012, bastante especial. A força da última imagem do filme, o close congelado no rosto do personagem principal, um adolescente rebelde, é mais do que uma homenagem a François Truffaut. Ao evocar o mesmo final de “Os Incompreendidos” primeiro filme de Truffaut, Bertolucci pode estar se despedindo deixando um recado para as futuras gerações sobre a perpetuação do cinema de autor.

Ao longo de cinco décadas recheadas de obras-primas, mesmo em épicos como “1900” e “O Último Imperador”, Bertolucci sempre buscou uma aproximação um tanto intimista com os dilemas psicológicos e existenciais de seus personagens. Uns maduros, como “O Último Tango em Paris” e “O Céu Que Nos Protege”, outros jovens, como “La Luna”, “Beleza Roubada” e “Os Sonhadores”.

“Eu e Você” condensa vários elementos presentes na obra de Bertolucci. É a história de Lorenzo (o estreante Jacopo Olmo Antinori, de traços parecidos com o Malcolm MacDowell de “Laranja Mecânica”) um adolescente rebelde que custa a encontrar seu lugar no mundo. Não se identifica com o grupo escolar e nem com a mãe, a quem sugere uma hipótese incestuosa ao questionar que “se o mundo acabasse e só restassem os dois, como eles fariam para perpetuar a espécie?”. Lorenzo escapa do feriado da Semana Branca, quando todos os colegas de escola vão esquiar, refugiando-se às escondidas no porão do prédio. Sua solidão é interrompida pela chegada repentina da meia-irmã Olivia (Tea Falco), alguns anos mais velha que ele, mas igualmente problemática – está tentando se livrar do vício em heroína.

Dois irmãos trancados em casa sem o conhecimento dos pais de cara faz lembrar “Os Sonhadores”, mas o processo de amadurecimento de Lorenzo e Olivia se dá de maneira bem mais dolorosa do que o lúdico jogo de descobertas do trio do filme anterior – deve-se levar em conta que enquanto em “Os Sonhadores” a revolução de 68 explodiria nas ruas sugerindo, ao final do filme, um mergulho dos personagens naquela realidade, o que se vê do lado de fora do porão de “Eu e Você” são ruas desertas e um mundo anêmico, quase estático, onde o “movimento” estudantil, no sentido literal do termo, se dá rumo à diversão na neve. Mas o refúgio de Lorenzo é nas trevas do porão.

Com Fabio Cianchetti, mesmo diretor de fotografia de “Os Sonhadores” e “Assédio”, Bertolucci não exibe o virtuosismo de um Vittorio Storaro (seu mais célebre parceiro), mas passeia com a câmera de maneira inteligente por aquele ambiente escuro e estreito. A simplicidade da história acaba sendo um de seus trunfos. Bertolucci dá seu recado de maneira direta e sem grandes ambições, como fizera em “Assédio”, outro pequeno grande filme. De quebra, o momento de extrema delicadeza em que Lorenzo e Olivia dançam ao som de uma versão italiana de “Space Oddity”, cantada por David Bowie, serve para dissipar qualquer dúvida de que se trata de um grande cineasta ainda em forma.

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