“Quando Eu Era Vivo” é um filme que chega ao circuito cercado por falsas expectativas. O trailer apresentava, em ritmo ágil, algumas das principais características do tradicional cinema de terror: elementos sobrenaturais, ambientes lúgubres, imagens enigmáticas de VHS, anagramas, exorcismo, cortinas voando e sons macabros. A presença, no elenco, de um nome do primeiro time da dramaturgia televisiva como Antônio Fagundes, junto com o da cantora Sandy (assinando com seu tenebroso nome de batismo inspirado por “Grease”, Sandy Leah), deixava a impressão de se tratar de uma obra de pretensões exclusivamente comerciais, explorando um gênero pouco visitado pelo cinema nacional.
O nome de Marco Dutra nos créditos como diretor é que embaralhou a cabeça sobretudo de quem conhecia seu filme anterior, “Trabalhar Cansa” (co-dirigido com Juliana Rojas, foi selecionado para a mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes, dedicada a filmes que trabalham a narrativa de forma mais ousada, e ambientava o suspense dentro de um forte contexto social da realidade brasileira).
Assim como em “Trabalhar Cansa”, Dutra faz de “Quando Eu Era Vivo” uma plataforma para a construção de climas, tendo o cenário como protagonista da trama. Se no outro a ação se passava numa mercearia, aqui é um apartamento de classe média paulistana. A direção de arte e o desenho de som primorosos são essenciais para a criação da atmosfera, praticamente colocando em segundo plano os personagens vivos e mortos que transitam pelo local. Baseado em romance de Lourenço Mutarelli, o filme vai mais a fundo nas referências ao cinema de gênero do que o filme anterior de Dutra. E isso poderia soar como uma espécie de “concessão” artística para tentar atingir um público maior.
No entanto, a maneira como o diretor lida com esses códigos logo deixa claro que o espectador que esperar uma história de horror convencional irá se decepcionar. A escolha do título “Quando Eu Era Vivo” é um achado, pois possibilita múltiplas interpretações. Desde o instante em que vemos Marat Descartes chegando àquele apartamento, instala-se automaticamente o mistério motivado pelo título. A história vai se desenvolvendo de forma satisfatória, num suspense crescente, mas não segue as normas dos manuais de roteiro hollywoodianos, com reviravoltas e reversão de expectativas. Tudo se desenvolve de maneira lenta e gradual, ditada pelo ritmo da montagem de Juliana Rojas, que favorece a contemplação e a imersão naquele universo onde um homem (Fagundes) vive o presente se recusando a envelhecer (vide os inúmeros aparatos de ginástica espalhados pela sala) enquanto o outro (Descartes) demonstra obsessão pelo passado. A personagem de Sandy Leah, por sua vez, oferece uma contribuição muito mais visual do que narrativa. Com seu rosto de boneca de porcelana quase sempre mostrado em close e as músicas torturantes que canta, ela é mais um elemento de cena fantasmagórico do que qualquer outra coisa.