Críticas


INSTINTO MATERNO

De: CALIN PETER NETZER
Com: LUMINITA GHEORGHIU, BOGDAN DUMITRACHE, NATASA RAAB
25.07.2014
Por Marcelo Janot
Uma pequena obra-prima que confirma o grau de excelência que o cinema romeno vem mostrando.

Há dois filmes dentro de “Instinto Materno”. Um se dá no plano público, e é sobre uma mãe superprotetora que tenta livrar o filho da culpa por um atropelamento que matou um menino; o outro se dá no plano íntimo, e trata da difícil relação entre essa mesma mãe e seu filho.

Cornelia pertence à burguesia de Bucareste, na Romênia. Veste casaco de peles, dirige um BMW e o ringtone do celular é um tema de Bach. Sua festa de 60 anos reuniu pessoas influentes. Amparada pela segurança que essas relações lhe dá, ela pretende ocultar provas, forjar testemunhos, subornar peritos e o que for necessário para livrar o filho Barbu, que dirigia seu Audi a 140km por hora, da condenação. Como a vítima era um menino pobre de 14 anos, isso não deve ser difícil na Romênia, um país de contrastes sociais gritantes em que a lei pode ter dois pesos e duas medidas. Os brasileiros talvez enxerguem semelhanças com casos que volta e meia vemos no noticiário local.

A história que se passa no plano íntimo começa com Cornelia se queixando para a irmã de que seu filho único, de cerca de 30 anos, não está lhe dando a devida atenção que uma mãe merece. Reclama que sua nora já tem um filho de outra relação e por isso estaria se recusando a engravidar. A relação de controle inclui relatos detalhados da vida do filho pela faxineira, que trabalha nas duas casas. A passividade de Barbu e a necessidade de controle da mãe explicam porque Cornelia planejou sozinha a estratégia para livrá-lo da culpa do acidente.

Em uma cena que resume esta relação, ele pede a ela que pare de interferir na sua vida, senão dentro de 10, 20 anos ambos estarão no mesmo lugar. Sugere que ela arrume um amante, um cão, um hobby. “Pessoas na sua idade visitam as Pirâmides do Egito”, ele diz. Ela responde: “Pessoas da minha idade têm uma relação normal com os filhos. Os pais se realizam através dos filhos. Tudo que não conseguiram realizar, eles alcançam através dos filhos.”

Ou seja: para Cornelia, relação normal com os filhos é projetar suas frustrações no cotidiano deles e exercer esse controle diário massacrante ao qual muitos, por comodismo e/ou submissão, acabam se sujeitando. E isso não é uma característica exclusiva da sociedade romena. Quem de nós não conhece gente assim?

A forma como o diretor e co-roteirista Calin Peter Netzer junta as esferas pública e privada, especialmente na antológica cena em que Cornelia se encontra com os pais do menino morto, é um dos motivos que fazem de “Instinto Materno”, vencedor do Urso de Ouro em Berlim, uma pequena obra-prima que confirma o grau de excelência que o cinema romeno vem mostrando nas últimas décadas. Longos planos permitem que os atores brilhem em monólogos (sobretudo a protagonista Luminita Gheorghiu) e que os espectadores absorvam a profundidade do discurso.

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