Críticas


AQUARIUS

De: KLEBER MENDONÇA FILHO
Com: SONIA BRAGA, HUMBERTO CARRÃO, MAEVE JINKINGS, IRANDHIR SANTOS, CARLA RIBAS
31.08.2016
Por Marcelo Janot
Futuramente deverá ser lembrado não pela quantidade de “Fora Temer” entoados antes e depois da sessão, mas pelo belíssimo e original tributo à força de uma mulher

Os textos sobre "Aquarius" na ocasião do seu lançamento mostram que há gente mais preocupada em descrever o comportamento da plateia no cinema do que em emitir sua opinião sobre o filme – o que deixa a entender que muitos foram ver “Aquarius” mais interessados em se sentir parte de uma manifestação política do que no que aconteceria na tela. Não há nada de errado nisso, o que só mostra que a estratégia de marketing deu certo. Mesmo com menos prêmios e elogios internacionais do que “O Som Ao Redor”, “Aquarius” despertou muito mais interesse do público brasileiro e já superou o público do filme anterior de Kleber Mendonça.



Minha primeira surpresa foi a de constatar que “Aquarius” é um filme bem menos político do que “O Som Ao Redor”. A trama envolvendo a luta de Clara, personagem de Sônia Braga, com os abutres da construtora que querem convencê-la a sair de seu apartamento para erguer mais um espigão na orla de Recife é apenas um pano de fundo que permeia um retrato íntimo da personagem. Ao longo dos 140 minutos do filme, o conflito vez por outra sai de cena para dar lugar a longos trechos de observação do cotidiano de Clara. É uma opção extremamente corajosa de Kleber, que me pareceu pouco compreendida por aqueles que criticam o roteiro. A meu ver, a ousadia de não se prender às amarras de um roteiro convencional e de se deixar levar de forma solta, no ritmo da trilha sonora que tão bem pontua a narrativa, pelos pensamentos, gestos e olhares da personagem, é o grande trunfo do filme – que talvez não fosse tão bem sucedido se Sônia Braga não estivesse (para usar uma expressão gasta a que muitos críticos recorrem) “em estado de graça”. “Aquarius” também é uma homenagem a ela, que retribui da melhor maneira possível.



Como Sônia está em cena praticamente o tempo inteiro, a impressão que fica é a de que o seu talento contamina o resto do elenco. A direção de atores, tão irregular em “O Som Ao Redor”, é um dos pontos altos de “Aquarius”. De resto, não é surpresa constatar mais uma vez o cuidado formal de Kleber com cada enquadramento, cada movimento de câmera, em que nada parece gratuito e exibicionista, mas sim a serviço do que se quer transmitir. Se há excessos em algumas cenas dispensáveis – como aquela em que se justifica o roubo das jóias pela empregada como a vingança do “explorado contra o explorador” - são defeitos menores em um filme que futuramente deverá ser lembrado não pela quantidade de “Fora Temer” entoados antes e depois da sessão, mas pelo belíssimo e original tributo à força de uma mulher.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário