Especiais


MOSTRA CINEBH

16.10.2014
Por Críticos.com.br
Cobertura diária da Mostra CineBH. Coordenada por Leonardo Luiz Ferreira que viajou para lá a convite da organização.

Cobertura 8ª Mostra CineBH

Por Leonardo Luiz Ferreira



21/10/2014

Confira os premiados no Brasil CineMundi 2014:

Vencedor do 5º Brasil CineMundi (prêmios de parceiros e vaga no Torino FilmLab)

“A Mensageira”, produção de Cláudio Marques e direção de Marília Hughes

Menção honrosa do júri do 5º Brasil CineMundi

“A Febre”, produção de Julia Murat e direção de Maya Da-Rin

Ventana Sur (participação no Producer's Network)

Nicky Klopsch, “Aos Olhos de Ernesto”

Max Eluard, “Felis Domesticus”

Cinélatino (vaga para o Cinema in Development)

“A Mensageira”, direção de Marília Hughes e produção de Cláudio Marques

Torino FilmLab (vaga para Meeting Event)

Julia Murat, “A Febre”

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17/10/2014



O Brasil abriga já há alguns anos uma quantidade enorme de festivais com as mais diferentes propostas, mas são poucos aqueles que investem no mercado audiovisual – parte importante na engrenagem e criação de novos filmes. É justamente nesse quesito que o CineBH, que acontece em Belo Horizonte de 16 a 23 de outubro, se fortalece em relação a tantas outras mostras, como bem afirma o seu subtítulo, “Cinema no Mercado”, que surgiu na tela do CCBB na noite de abertura. Claro que a exibição dos filmes permanece intacta, entretanto há um rico complemento em meio a mesas de discussão e laboratórios de roteiros e projetos.

O Brasil Cinemundi é um evento de mercado de coprodução internacional que chega a sua 5ª edição em 2014. Parte integrante e indissociável do festival, os encontros já se tornaram referência para produtores independentes nacionais, que aguardam a lista de projetos selecionados com a expectativa de discutirem os trabalhos com profissionais do meio e receberem alguma premiação, que pode ser de financiamento direto até parcerias e equipamentos. Na presente edição foram escolhidos projetos de ficção e documentário, entre eles A Febre, de Maya Da-Rin, A Mensageira, de Marília Hugues, Aos Olhos de Ernesto, de Ana Luiza Azevedo e Batuque Carioca, de Beth Formaggini.

Além do evento de mercado, o CineBH traz duas retrospectivas: o argentino Santiago Loza, que recebeu o prêmio Horizonte pelo conjunto da obra e ministra uma masterclass; e o francês Olivier Assayas. Ainda que parcial, a mostra exibe seus títulos mais importantes, como Água Fria, Irma Vep e Os Destinos Sentimentais, em cópias 35mm – uma verdadeira raridade nos festivais atuais dominados pela projeção digital.

Outro convidado de peso é o crítico norte-americano Tag Gallagher, que vem pela primeira vez ao Brasil. Ele é uma das maiores autoridades sobre a obra de John Ford e Roberto Rossellini, autor de livros seminais sobre ambos nunca editados no país. Ele selecionou três obras-primas do cinema (Viagem à Itália, Carta de uma Desconhecida e Sangue de Heróis) para discuti-los com o público que se inscreveu gratuitamente em sua masterclass. A sua vinda é uma grande sacada da curadoria, que traz entre seus temas a questão dos desafios da cinefilia. Gallagher é um dos raros profissionais da crítica de cinema mundial que debruça seu trabalho em poucos cineastas, sobretudo dos anos 50 para trás. Ao indagá-lo sobre algum nome que aprecia no cinema contemporâneo, ele só citou Jean-Marie Straub, Pedro Costa e Abel Ferrara. E ainda completou dizendo que Pier Paolo Pasolini e Martin Scorsese são os diretores mais aborrecidos da história do cinema. Um crítico mordaz e com posicionamento e olhar particular, como todo grande profissional da área deve ser.

A curadoria de longas-metragens ficou a cargo dos críticos Pedro Butcher e Francis Vogner dos Reis, que conseguiram promover um interesse panorama cinematográfico incluindo alguns títulos inéditos no Brasil, como Noites Brancas, de Paul Vecchialli e Faroeste, de Abelardo de Carvalho; e outros que mereciam a exibição em Minas Gerais pela qualidade de realização (National Gallery, de Frederick Wiseman e E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto.

Mais informações: www.cinebh.com.br

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Nota sobre a Masterclass de Tag Gallagher

Por Leonardo Luiz Ferreira

20/10/2014

A masterclass tem início com a exibição integral do filme. No caso, na sessão assistida, foi o clássico Sangue de Heróis (Fort Apache), de John Ford. Em seguida, há um vídeo comentado sobre a carreira de Ford com duração de cerca de 1 hora. A aula em si está contida nessa projeção na qual o crítico norte-americano Tag Gallagher, em voz off, repassa por particularidades e pequenos detalhes da filmografia de um dos mestres do cinema.

O vídeo aborda desde dados biográficos - como as participações do irmão de Ford nos filmes, com trechos de cada cena em que aparece -, até atingir o momento de maior interesse quando ele disseca o método Ford através da análise minuciosa de duas sequências específicas: um jantar em No Tempo das Diligências (Stagecoach), que foi lançado como extra do filme na edição em DVD da Criterion Collection, em que coloca de maneira simples a sutileza dos pequenos detalhes contidos em cada plano para dar múltiplos significados e apresenta uma ilustração de posicionamento de câmera onde diferencia diretamente ao de Alfred Hitchcock pela escolha do ponto de vista dos personagens; e a perseguição de um animal a personagem de Grace Kelly em Mogambo. Nesse instante, ele comprova que a montagem em John Ford não é invisível, como apregoava o crítico francês André Bazin, ela se faz presente em cada mudança de quadro que parecem conter um filme dentro do próprio filme. Tudo mostrado com uma didática simples entre narração e imagem, que repete ou fica em slow motion para que o espectador possa compreender perfeitamente o que é abordado. É um método de ensino de fruição e força que deveria ser mais utilizado em aulas e oficinas de cinema por aqui. O êxito da masterclass, com sessões lotadas no CineBH, e pessoas que vieram de outros estados especificamente para as oficinas é a comprovação do interesse e validade do projeto.

Após a exibição do vídeo, o crítico sobe ao palco apenas para responder perguntas da plateia, já que tudo que queria abordar tinha sido exposto na projeção. Ele dá apenas um sábio conselho ao público: “Já que estou aqui como professor e vocês aí como meus alunos gostaria de dizer que a grande lição de casa para todos é assistir, no mínimo, cinco vezes cada filme de John Ford. A cada vez que assisto a um de seus filmes eu descubro coisas novas, e isso vai acontecer com vocês também.”

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A Vingança de uma Mulher, de Rita Azevedo Gomes

Por Leonardo Luiz Ferreira


20/10/2014

“O nosso amor é como aquele dos romances. E eu nunca pensei que isso seria possível acontecer comigo. Nós nunca nos beijamos, mas amava-o profundamente.” Este é um dos mais contundentes relatos da personagem principal de A Vingança de uma Mulher, de Rita Azevedo Gomes. É através da força do plano e da palavra que se encontra o melhor caminho para adentrar a densidade narrativa da obra.

Assim como as tragédias gregas, A Vingança de uma Mulher estabelece logo no princípio como uma encenação do teatro da vida: um narrador de corpo presente lê para o espectador o conto moral que este vai acompanhar durante a próxima uma hora e meia de projeção. Tão logo ele adentra um palco de teatro que está decorado com elementos cênicos do que está por vir. Um pouco antes desse momento, os créditos já revelam a intenção da história: uma parede vermelha como o sangue. A obra de Rita Azevedo Gomes vai girar em torno exatamente de vida, amor e sangue. É como se dos créditos em diante ela ditasse que cada sequência seja regida sob a égide do vermelho, de uma tragédia anunciada. A cor é predominante na casa da duquesa que guarda as vestimentas com marcas de sangue do único homem que amou.

Além da onipresença do narrador, a palavra escrita e a oralidade se faz presente por toda a narração. Uma sequência tem início com um plano médio que focaliza uma senhora sentada. Ela apenas presta atenção e ouve o que os homens ao lado conversam. Até um vagaroso movimento de câmera enquadrá-los em cena. A senhora permanece ali como uma presença fantasmagórica em um dos muitos longos planos-sequências do filme, que são arrebatadores pelo controle da mise-en-scène. Logo depois, o homem passa a perseguir uma bela moça, prostituta de luxo. Mas antes de consumar o ato sexual, ele é convidado a ser ouvinte de seu drama particular. O ciclo de oralidade iniciado na cena com a senhora se completa. Ao mesmo tempo em que o personagem Roberto é enredado pelas histórias da duquesa, o espectador permanece ali como um observador do ponto de vista da câmera. A encenação assume o artificialismo e a teatralidade, entre diálogos rebuscados e a utilização de efeitos de luz e sombras para que naquele mesmo espaço da residência seja reencenada a tragédia que dá título à história.

A direção de Rita Azevedo Gomes é rigorosa, com uma profunda noção de profundidade de campo e enquadramento, cada sequência encerra em si mesma e parece realmente conter um filme dentro de outro. A composição rígida de quadro reforça a distância entre os personagens, com uma plasticidade que une estética e funcionalidade cênica. A câmera permanece fixa na maioria da projeção, apenas com movimentos criteriosamente selecionados. É no transcurso de inúmeros planos-sequências, alguns com até 10 minutos de duração, que A Vingança de uma Mulher se estabelece de maneira frontal e arrebatadora. A mise-en-scène remete diretamente as obras-primas de Manoel de Oliveira, de quem a cineasta Rita é admiradora confessa, já tendo realizado dois documentários sobre o centenário realizador português. É quando a assimilação de uma filmografia não gera uma cópia ou fraude, como em tantos outros casos, mas sim uma obra orgânica e autoral de alguém que viu os filmes certos e se dedicou totalmente as belas artes para a realização cinematográfica.

O plano de um cachorro raivoso, que ilustra o pôster do filme, em que protege um coração arrancado do amante da duquesa é digno de antologia, de uma crítica inteira. É uma das mais assombrosas tomadas do cinema contemporâneo, entre a raiva, o ódio e o amor à encenação.

A luz se apaga e o teatro se encerra, mas cada imagem e palavra permanecem vívidos com o espectador, como os grandes romances e tragédias da vida.

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Por Exemplo, Electra (Par Exemple, Electra), de Jeanne Balibar e Pierre Léon

Por Leonardo Luiz Ferreira

18/10/2014

O close de um rosto banhado por uma luz vermelha é a primeira imagem de Por Exemplo, Electra, de Jeanne Balibar e Pierre Léon. Há uma intensa granulação no plano reafirmando a opção da estética do vídeo, como alguns trabalhos de Godard. Em off, a leitura de uma tragédia grega e o personagem, o próprio Léon, está de fronte ao computador. Esse primeiro plano circunscreve bastante da obra: à procura de uma imagem que consiga traduzir a palavra escrita. Um segundo instante retrata bem isso quando planos intercalados do roteirista/autor com paisagens e pessoas na rua tentam unir o processo de escrita com a visualização em tempo real.

A estrutura do filme é bipartida: de um lado o filme-processo com os ensaios de uma peça nas ruas francesas e, de outro, encenações de reuniões para financiamentos de projetos cinematográficos. A chave para entrar no mundo de Por Exemplo, Electra é a ironia; ainda que as interpretações da tragédia em si sejam teatrais e destituídas de qualquer humor, o que paira sobre a narrativa é uma reflexão irônica sobre a realização, o cinema autoral e a era da modernidade (“estar online ao mesmo tempo com vários amigos virtuais no Facebook é o mesmo que antigamente ir aos cinemas de ruas e ficar ao lado de pessoas anônimas.”).

O ensaio do filme-processo - presente em alguns dos exemplares recentes do cinema brasileiro, entre eles Pingo D’água, de Taciano Valério – tem bem mais consistência e ciência da onde se quer chegar em Por Exemplo, Electra. Um dos melhores planos do filme é quando uma personagem dialoga com um personagem imaginário no metrô e o contraplano está em outra locação com a continuação do diálogo. Balibar e Léon filmam, com câmera na mão aos solavancos, instantes perdidos, pedaços de diálogos e caminhadas a esmo. A luz natural e o desnudamento estético só reforçam esse caráter de incompletude, de esboço. Entretanto, diferente de outros exemplares, os realizadores sabem exatamente o que querem atingir e como chegar a esse resultado. É especialmente inteligente quando as trocas de e-mails com supostos produtores interessados no projeto “Teatro à Domicílio” são musicadas e entre a letra fria das palavras ganham outro significado.

Por Exemplo, Electra está à procura de uma imagem, uma forma de composição, de encontrar o espaço como a vontade da personagem principal de vender a ideia de um teatro filmado por grandes diretores de cinema (Pedro Costa, Apichatpong) que pode ser assistido em qualquer lugar via download. A experiência de assimilação de uma obra parece ter mudado o seu sentido e nada melhor do que a ironia para confrontar isso de alguma forma.

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CINCO PERGUNTAS PARA O CINEASTA ABELARDO DE CARVALHO

Por Leonardo Luiz Ferreira


O cineasta Abelardo de Carvalho estreia na direção de longas de ficção com Faroeste, um projeto dos mais arriscados da produção independente brasileira: um filme de faroeste de baixíssimo orçamento, algo em torno de 200 mil reais, que se impõe na tela com uma fotografia deslumbrante, uma narrativa épica e elíptica e um dos melhores trabalhos de som que se tem notícia. É uma obra acalentada por anos que finalmente se concretiza e merece atingir um público mais amplo. A première nacional acontece na 8ª Mostra CineBH, e espera-se que seja o início de um longa carreira por festivais até chegar ao circuito comercial. Na entrevista exclusiva, o diretor revela os pormenores da produção e revela os bastidores da filmagem.

1ª) Quando surgiu a ideia para o projeto FAROESTE?

Abelardo de Carvalho – O roteiro do longa surgiu logo após o lançamento de meu primeiro romance Bestiário (2002). O romance como um todo serviu de universo de referência para o filme. Tenho mais páginas escritas desenvolvendo o perfil dos personagens do que do romance propriamente. Ou seja, o romance está muito calcado na trajetória de cada personagem e isso fica muito evidente durante a leitura. No filme, eu também acho que os personagens se sobrepõem à história, ao contrário dos faroestes clássicos, se sobrepõem inclusive aos grandes cenários. Eu vejo o Luís Garcia, personagem principal, como a mais pura potência, sobretudo porque transita no âmbito do silêncio.

2ª) Quais foram as principais referências para o projeto?

AC – Os seriados de faroeste americano da década de 60 com certeza são referências bem marcantes. O Homem de Virgínia, considerado o primeiro romance de faroeste e um dos primeiros filmes do gênero, talvez seja o que mais me marcou. Quis muito trazer o ator (James Drury) para participar do nosso filme, mas não foi possível. Quando optei por chamar o projeto de Faroeste, estabeleci, claro, logo um diálogo direto com o gênero. Penso que todos os ingredientes de um faroeste clássico estão presentes. O formato da tela é cinemascope (tela cheia). As falas de todos os personagens são dubladas, tais como eu os via na TV. Os maiores dubladores brasileiros se renderam ao projeto. Assim, o dublador oficial do Clint Eastwood no Brasil (Márcio Seixas) emprestou a sua voz ao nosso Luís Garcia. Orlando Drummond, dublador do Sargento Garcia (Zorro) fez o nosso Comandante de polícia. E assim por diante. As cenas de cavalos predominam. Os grandes planos abertos. Os closes fechadíssimos. Os duelos. Questões como vingança, traição, perseguições e a busca pelo ouro estão todas lá. O vilão vestido de preto. E posso citar até mesmo Sergio Leone e o seu conceito de anti-herói. Mas é um faroeste essencialmente mineiro, com um tempo mineiro de observar as coisas, econômico nas palavras, embora um dos temas mais presentes seja a fofoca, o boato, a intriga, o disse me disse que leva o nosso anti-herói Luís Garcia às raias da loucura e o faz cogitar botar fogo em todos os confessionários católicos.

3ª) A fotografia de Vinicius Brum é uma das melhores do cinema contemporâneo brasileiro recente em que varia a beleza dos planos-gerais e arrojo de sequências internas. Explique o processo de composição visual de Faroeste.

AC – Desde o início, a ideia imposta pela nossa total falta de grana era filmar apenas com luz natural. O Vinicius topou reproduzir a luz do início do século XX, quando não tínhamos ainda eletricidade no interior do país. E este efeito pode ser sentido em todo o filme, proporcionando uma identidade ímpar as cenas noturnas. Eu penso que as centenas de velas produzidas (uma fábrica de velas da região se encarregou de fazê-las mais potentes), os lampiões e as lamparinas, as tochas e as fogueiras ajudaram sobremaneira a dar à nossa história ainda mais dramaticidade. Nas cenas diurnas, usamos apenas o sol, muitas vezes rebatido pra dentro dos interiores através de grandes espelhos e rebatedores. Seguindo a obsessão do nosso personagem por ouro e prata, as cores do filme puxaram para o dourado nas cenas externas e pro prateado nas cenas internas. A decisão de sempre iniciarmos as filmagens ainda de madrugada influenciou muito na estética das cenas externas, posto que a neblina do inverno compõe muito bem com as vastas paisagens de pedras e árvores. Já as cenas internas, muitas vezes, são vistas através de portas ou janelas, como se alguém sempre as bisbilhotasse. Eu penso também que o Vinicius foi muito feliz na maneira elegante com que ele enquadrou o nosso personagem principal, dando a ele um caráter ainda mais trágico e mítico.

4ª) Outro elemento que pode ser ressaltado no longa é o desenho de som, realizado por Bernardo Uzeda. Não só a trilha sonora compõe bem com as imagens como os sons criam um universo bem particular. Como você pensou o som do filme?

AC – O som do filme é um capítulo à parte, realmente. Saímos do set de filmagem apenas com o som guia. Nada valendo, portanto. Mas como a ideia era, desde o início, dublar os atores e refazer todo o foley e efeitos sonoros do filme em estúdio, isto nunca foi um problema. Muito pelo contrário, este fato nos permitiu concentrar forças na captação das imagens e foi determinante para atrair o interesse de Bernardo Uzeda, pois pela primeira vez em sua carreira ele poderia responder, de cabo a rabo, por todo o áudio de um longa-metragem. E assim foi feito. Um dia eu disse a ele: tudo neste filme range... e ele adquiriu mil e quinhentos diferentes rangidos, centenas de efeitos de cavalos, sons ambientes de várias partes do mundo, pesquisamos e conseguimos gravações de todos os pássaros catalogados na região da Serra da Canastra em Minas Gerais, onde a narrativa se desenvolve. Outro detalhe importante de se observar é o quanto o som criado por Uzeda nos ajuda a acompanhar a trama, principalmente no tocante ao extracampo. Muitas cenas decisivas se dão fora de quadro e apenas a percebemos por intermédio do áudio. Este recurso tão utilizado ao longo do filme foi a melhor maneira que encontramos para resolver a questão de produção de baixíssimo orçamento. A música, composta originalmente também pelo Uzeda, ajuda a criar os climas pretendidos, pontuando as cenas e auxiliando nas complexas passagens de tempo. Além de criar uma imediata identificação dos personagens, com temas específicos, como no caso do nosso anti-herói Luís Garcia. E a sanfona serelepe do narrador Sanfoneiro. E o lamento que percorre todas as cenas da amante, abandonada grávida num convento. Enfim, espero que ao se deixar envolver por este som bucólico 5.1, desenhado pelo Uzeda, numa sala escura de cinema, o espectador se permita vivenciar na plenitude uma experiência na qual não sei se ele está muito acostumado.

5ª) O trabalho tem tom épico, várias locações, extras e trabalho cuidadoso de arte. Ainda assim é um projeto de baixo orçamento. Conte como foi possível a sua realização?

AC – Baixo orçamento no Brasil é filme de 1 milhão. O nosso foi feito com 1/5 disso, e ainda em forma de apoios; portanto, de baixíssimo orçamento. Um jovem cineasta carioca nos disse que estávamos indo filmar o impossível. Locações a 550 km de distância do Rio de Janeiro, ou seja, a 10 horas das produtoras Cavídeo/Cinerama Brasilis; elenco com mais de 30 não atores, sem sequer um único ensaio; 40 locações espalhadas num raio de 90 km; 200 figurantes locais entre 80 e 90 anos; filme de época; equipe reduzidíssima e jornadas de até 17 horas diárias ao longo de 4 semanas... Sinceramente aquilo parecia à nau dos loucos ou o exército de Brancaleone, como queira. Filmamos apenas o possível do impossível. Mas um crítico renomado já o chamou de “exuberância cinemática”. E isso não é pouca coisa. A arte do filme só foi possível porque tivemos total apoio das pessoas e das autoridades de Pains/MG, e da região, como o Museu da cidade de Formiga que nos cedeu centenas de peças históricas e assim por diante.

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DESERTO AZUL, de Eder Santos

por Carlos Alberto Mattos

Fazer filme de ficção científica no Brasil é um desafio a que poucos se arriscam. Eder Santos, um dos artistas visuais mais sofisticados e celebrados do país, encontrou uma solução engenhosa para seu projeto Deserto Azul. Decidiu fazer uma aventura mais interior que exterior, e que se passasse basicamente "dentro" de obras de diversos artistas contemporâneos.

Assim, o personagem central, um rapaz em busca da transcendência espiritual, atravessa cenários futuristas que na verdade são originais ou reproduções de obras de artistas nacionais e internacionais, além de instalações do próprio Eder e de outros. Grande parte das filmagens foram feitas durante uma exposição-estúdio no CCBB de Brasília. A capital federal, com sua vocação de cenário futurista, aparece ainda em cenas externas, alternando-se com o Deserto de Atacama, apropriadamente tingido de azul pelo guru vivido por Chico Diaz.

Deserto Azul é um trabalho que se vale da trama e do gênero ficção científica para tecer um tapete de referências artísticas e literárias. A procura da transcendência através do bloqueio do pensamento e dos sentidos funciona na verdade como um pretexto para o desfile de citações que vão de Machado de Assis a Yoko Ono, dos gregos a Godard. A combinação de parábolas espirituais com tantos gadgets e artefatos eletrônicos sugere uma espécie de Jodorovsky high tech, um tanto perdido em meio à sua própria investigação e simbologia. Com esse projeto, Eder Santos se coloca a meio caminho entre o diletantismo referencial e a construção de um novo padrão audiovisual para o cinema brasileiro. Os requintes visuais e sonoros do filme, finalizado na Alemanha, têm um nível que não tenho visto fora do campo da publicidade.

Atração à parte nas sessões de Deserto Azul é o convite a que os espectadores, em vez de desligar seus celulares, os conectem na rede do filme e acompanhem o conteúdo que vai sendo carregado ao longo da projeção. Não é nada que expanda de fato a experiência, mas apenas desenhos simbólicos, alguns storyboards e principalmente informações sobre locações, cenários, obras, citações e detalhes da produção. No caso de um filme-exposição como esse, não se pode negar que as "etiquetas" ajudam a enriquecer o percurso. Mas espero, sinceramente, que a moda não pegue e as janelinhas luminosas continuem apagadas nas sessões de cinema.

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NATIONAL GALLERY, de Frederick Wiseman

Por Marcelo Janot

Nenhuma visita decente aos principais museus do mundo dura menos de quatro ou cinco horas. Portanto, não é sacrifício algum passar 173 minutos assistindo a “National Gallery”, um passeio pelo museu londrino guiado pelo olhar do veterano documentarista Frederick Wiseman, o mesmo de obras essenciais como “At Berkeley”.

Sem sair do lugar, o espectador percorre algumas das principais galerias do museu acompanhando o trabalho dos guias decifrando obras-primas de Vermeer, Rubens, Rembrandt e vários outros. A câmera invisível se limita a mostrar a explanação dos guias, com imagens dos quadros e o olhar atento do público. São poucos os momentos em que o realizador impõe algum recorte não naturalista à sua narrativa, como aquele em que a montagem intercala uma sucessão de retratos com rostos de visitantes, ou a bela encenação de um balé no final.

Não há uma organicidade relativa a um caminho a ser percorrido. Ao longo das quase três horas, somos levados de uma galeria a outra e de lá aos bastidores, onde assistimos a reuniões da diretoria do museu e a aulas sobre preservação.

Acabamos nos tornando espectadores privilegiados de reflexões sobre o papel da arte no mundo contemporâneo. A relutância do diretor do museu em querer “popularizar” a National Gallery associando-a a eventos esportivos, e sua insistência para que o público faça um esforço intelectual como caminho para a erudição, e não o contrário, é uma postura elogiável frente a um tema polêmico que transcende as artes plásticas.

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CASTANHA, de Davi Pretto

por Nelson Hoineff

Com uma câmera na mão e uma luz sobre seus personagens, diretores de cinema tendem muitas vezes a sentir algo não muito diferente de sopros divinos. São eles que vão alçar essas pessoas ao mundo, ou relegá-las para sempre ao esquecimento, para dizer o mínimo.

Num filme aparentemente bem modesto, vindo do Rio Grande do Sul para a mostra Novos Rumos, é o oposto que acontece. O personagem é João Carlos Castanha, um ator de 52 anos que vive com sua mãe vinte anos mais velha e transita por um conturbado mundo que vai de espetáculos de transformismo a peças infantis. Sobre eles, o diretor Davi Pretto lança um olhar horizontal que circula a meio caminho entre o respeito pleno e a humildade contundente. Em Castanha, não há relação hierárquica entre os realizadores e seus personagens. O mais notável instrumento para isso está num naturalismo de intensidade tal que a princípio pode gerar estranheza, já que tudo está lá – a tela, a parafernalia que se esconde por trás dela e o jogo de poder que normalmente costura tal relação.

E no entanto, em Castanha tudo é unicamente natural, simples, verdadeiro. Os personagens nem são os próprios, mas o que gravita em torno deles: a desesperança, a solidão, a morte. É como se não houvesse dramaturgia, não houvesse registro, não houvesse nada. Somos lançados a um universo comandado pelo não-glamour. É neste silêncio, nesta virtual ausência de elementos dispostos de maneira a induzir o espectador a qualquer coisa, que o filme exercita o seu poder de gritar, de se revelar por inteiro, de emocionar verdadeira e não manipulativamente o seu público.

Castanha esteve no Forum do Festival de Berlim em fevereiro deste ano. Passou meio desapercebido e seria surpreendente se fosse de outra forma. A invisibilidade é meio como um instrumento narrativo proposto pelo diretor. Ele escreve seu filme como se nenhuma palavra se destinasse a ser pronunciada, como se nenhuma ação viesse a ser tomada pelos seus personagens. É isso o que lhe dá riqueza e grandiosidade. Sem convenções, sem artifícios, sem mentiras, Castanha é cinema em estado tão puro que pode parecer incômodo a quem não perceba que o que era para acontecer simplesmente aconteceu enquanto ninguém se dava conta disso.

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EL ARDOR, de Pablo Fendrik

por Nelson Hoineff

Produto de um recente acordo de co-produção entre Brasil e Argentina, El Ardor, dirigido pelo argentino Pablo Fendrik, está apto a receber fundos e subsídios dos dois países. O filme, exibido fora de competição no Festival do Rio, exibe uma cartilha de conceitos primários sobre o que pode ser um bem sucedido produto desse acordo. Compõe um elenco liderado por Gael Garcia Bernal e Alice Braga. Ele sai misteriosamente da selva para resgatá-la de mercenários que a fizeram prisioneira. Trata-se de um filme de aventuras passado na selva paranaense. Um sub Schwarzenegger meio fora de lugar. Um Rambo stalloneano insolitamente protagonizado por um ator a quem falta, para dizer o mínimo, o phisique-du-rôle.

Repleto de onças, mercenários malvados, tiros, diálogos completamente estéreis e muito barulho, El Ardor beira o ridículo - e assim será quando o filme for lançado em março, tanto no Brasil quanto na Argentina. De tantos ensinamentos que poderíamos tomar da cinematografia argentina contemporânea – filmes bons, inteligentes, humanistas, de baixo custo - jogam-se todos fora em troca de estereótipos obsoletos e banais.

A grande história de El Ardor certamente não está na possibilidade de um desenho vencedor, mas nas estranhas circunstâncias que podem ter inspirado, nesses moldes, a sua produção.

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OBRA, de Gregorio Graziosi

por Nelson Hoineff

Há uma visível confusão narrativa em Obra, que participa da mostra competitiva de ficção do Festival do Rio. A história a ser contada é simples: na construção de um grande empreendimento, um engenheiro (Irandhir Santos, uma das presenças mais frequentes do cinema brasileiro hoje) descobre um cemitério clandestino que pertencia a seus ancestrais. Ou o filme caminha no sentido de desvendar o mistério, ou se detém nas inquietações do engenheiro. Ou é um filme narrativo, ou não é. O diretor Gregorio Graziosi hesita por muito tempo para tomar uma decisão que afinal não chega.

Roteirista de Boa sorte, meu amor, de 2012, Graziosi acredita na pretensão como ferramenta para buscar o espaço de seu filme. É um conceito antigo, que não encontra muito respaldo no cinema que se faz hoje, seja no Brasil ou no resto do mundo. O peso que dá a cada um de seus planos é tão excessivo que não há como evitar seu desmoronamento. Obra procura trafegar na contemporaneidade com uma forma antiga de pensar cinema. É um filme lento, sem que essa opção encontre qualquer respaldo na maneira narrativa em que o filme está sendo construído. É incômodo, não pelo que narra, mas pela forma com que o faz. Obra desafia o espectador a aturá-lo sem que haja razão visível para isso.

Torna-se dessa maneira irrelevante e efêmero. Um exercício estético que para no meio do caminho e não dá muitas razões para tal escolha. Desafia o espectador sem muitos argumentos que não a lentidão. Se isso for uma marca de estilo, o diretor Graziosi faria bem em repensar o que está fazendo. Filmes que atuam como soníferos não prestam um grande serviço ao público nem ao histórico dos seus realizadores. Por enquanto, este filme é simplesmente o resultado de uma decisão estética inconsistente e obscurecida pela ausência de elementos que remetam à necessidade de se construir um filme voltado para o nada.

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E AGORA? LEMBRA-ME, de Joaquim Pinto

por Carlos Alberto Mattos

Vários documentários já foram realizados a partir da doença terminal de seus personagens, constituindo uma espécie de subgênero, a auto-observação no limite entre a vida e a morte. Coube ao português Joaquim Pinto fazer um dos exemplares mais penetrantes e abrangentes. Em E Agora? Lembra-me, ajudado por seu companheiro Nuno Leonel, ele relata um ano de experiências com drogas ainda não legalizadas contra a Aids, a hepatite C e a cirrose.

Partindo da frase do amigo João César Monteiro, "cada doença tem um tempo e uma história", Joaquim procura não apenas documentar suas dores, a confusão de ideias e os efeitos dos remédios, mas também transcendê-las através de um fluxo de pensamento poético sobre os vírus pessoais e sociais que corroem o corpo seu e do mundo. Assim é que a crise econômica na Europa, os conflitos no Oriente Médio e as pesquisas científicas convivem em digressões amplas, penosas, mas que nunca deixam de ser igualmente líricas.

Joaquim Pinto, que continua vivo e produzindo, é um emérito técnico de som, produtor e diretor de documentários do cinema português. Nesse filme-balanço de uma vida, ele relembra as relações de amizade e colaboração com Henri Alekan, Serge Daney, Raul Ruiz, João César Monteiro e Robert Kramer, entre outros. Passa em revista sua própria história desde a Revolução dos Cravos até o diagnóstico de Aids em 1996 e os diversos tratamentos malfadados entre Espanha, Portugal e Açores. Cenas de arquivo surgem como fragmentos de memória, conduzidos por um belíssimo texto narrado em primeira pessoa.

O filme é longo e poderia ser reduzido a bem da concisão. Mesmo assim, não há como ficar indiferente ao delicado experimentalismo de Joaquim, baseado principalmente na captação da natureza circundante e no uso dos tempos distendidos. É impossível não se deixar tocar pela profunda e calorosa reflexão que ele nos oferece sobre a fragilidade da vida e a vocação do amor e da arte para fortificá-la.

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HORAS DE VERÃO, de Olivier Assayas

Por Luiz Fernando Gallego (Publicado anteriormente em 2009 quando do lançamento do filme no Rio de janeiro)

Um espólio, uma diáspora familiar, uma partilha.

Antes, o aniversário de 75 anos de Hélène com uma rara reunião de seus três filhos, dois deles residindo fora da França em países tão distantes como Estados Unidos e China.

Um almoço em uma casa que fica a 50 minutos de trem de Paris, refeição ao ar livre lembrando filmes de Jean Renoir - e nada de relevante parece estar acontecendo, exceto por uma conversa da mãe com o filho mais velho, Fréderic (Charles Berling), o único que reside na França, sobre o que fazer com a casa e os objetos de arte depois que ela morrer. Ele se dá bem com os mais novos, Adrienne (Juliette Binoche) e Jérémie (Jérémie Renier), mas não se sabe que interesse comum haverá nos bens familiares em vidas tão separadas pela distância - e em objetos distanciados pelo tempo (que é o tema latente do filme): quadros de Corot, móveis e cristais belle-époque, telas originais de um tio, pintor há muito falecido à cuja memória Hélène se dedicou nos últimos 30 anos. Valiosos. Bom preço a pedir. E qual o preço a pagar quando a gente se desfaz de objetos investidos emocionalmente?

Um documentário brasileiro sobre o ator Paulo Gracindo pode ter reavivado na memória dos mais velhos a encenação da peça de Arthur Miller, O Preço que também abordava o destino dos objetos deixados por um parente falecido, só que em desenvolvimento bem mais tenso dentro da linha do realismo psicológico comum no teatro norteamericano dos anos 1950/60. Aqui, temos outra abordagem, com ecos de Tchekov (especialmente de "Jardim das Cerejeiras") em um filme bem “francês” com enredo realista, sim, mas praticamente sem “ganchos” dramáticos. Mesmo algumas “revelações” surpreendentes sobre o passado são colocadas em cena sem nenhuma ênfase exteriorizada; exteriorização ainda menos correspondente ao que o que pode estar se passando no interior dos diferentes personagens, especialmente quanto ao mais conservador ‘Fréderic’. Dentro de tal concepção, a performance dos atores tende a ser quase uma parceria de co-autores.

Neste sentido, o filme é plenamente realizado: Charles Berling fica mais tempo em cena com uma presença irretocável no que diz respeito à verossimilhança, fazendo ‘Fréderic’ ser alguém que poderíamos conhecer fora de um filme; Juliette Binoche mais uma vez recorre à sua máscara facial privilegiada, tanto em sorrisos luminosos como na expressão de dor e tristeza em uma breve cena de velório: nada é excessivo, mas tudo é intenso, além de alguns momentos mais arredios e nem sempre “à vontade” de sua ‘Adrienne’ nas cenas iniciais; Jérémie Renier (de O Silêncio de Lorna) comparece com a discrição inerente a seu personagem.

Não é só o trio central que merece destaque: cada um do elenco faz sua parte com exatidão, desde a forte mãe de Edith Scob (indicada a prêmio César por este desempenho e que há 40 anos fez a ‘Virgem Maria’ em A Via Láctea de Buñuel), passando pela discreta criada vivida por Isabelle Sadoyan, até os atores dos personagens secundários (noras e neta de ‘Hélène’), bem como os demais intérpretes episódicos.

O roteiro e a câmera do diretor Olivier Assayas(*) são bem minuciosos ao percorrer os pequenos detalhes do cotidiano, sendo que, tanto os exteriores naturais como os objetos da casa materna estão admiravelmente iluminados (ou em penumbra) por Eric Gautier(**). Tais objetos, enfatizados pelos diálogos e pela fotografia, chegam a ganhar a mesma aura dos nossos possíveis objetos familiares: aqueles aos quais nos afeiçoamos, tenham ou não valor de troca – e mesmo que não tenham valor de uso prático. Representam ligações afetivas com pessoas a quem amamos, mesmo que possamos discordar delas (e elas de nós); expressam um tempo (e vidas) em comum. (Atenção para os destinos de alguns objetos mais frequentemente vistos e enfatizados pela câmera e nos diálogos ! E para o cenário de abertura do filme e de encerramento).

A delicadeza e des-dramatização com que este filme é conduzido podem lembrar versos de Drummond sobre “amar o perdido” que “deixa confundido o pobre coração”, lembrando que “as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”. Esta obra, discreta em certo sentido, também ficará na retina do espectador que sintonizar com sua forma.

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(*) Assayas dirige e também participa de roteiros para outros cineastas, como no de Alice e Martin dirigido por André Téchiné.

(**) Gautier é o fotógrafo de Medos Privados... de Resnais, de Diários de Motocicleta, de Na Natureza Selvagem, de Sean Penn, além de vários filmes de Patrice Chéreau e de outros do mesmo cineasta deste Horas de Verão, como Clean, de 2004.

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DEPOIS DE MAIO, de Olivier Assayas

por Rômulo Cyríaco (publicado anteriormente em 2013 quando do lançamento do filme no Rio de Janeiro)

Nos faz pensar que nesta época de hoje, com o espetáculo praticamente concluído, restaram apenas as aparências das coisas.

Nos anos de 1960 e 1970 de nossa civilização, fluxos revolucionários de força pungente explodiram e desencadearam-se por todo o tecido social. A gênese de muitos destes datava de décadas anteriores, vozes e criações que foram por muito tempo abafadas e que, enfim, encontrariam suas vias e cordas vocais. Imediatamente, iniciou-se de forma mais evidente um jogo de poder no qual o sistema capitalista, transmutado em espetáculo, multiplicava seus tentáculos, ampliava seu espectro para abraçar e transformar em mera matéria espetacular qualquer manifestação de fato perigosa ao sistema. Antes, até os anos 50, um homem como Wilhelm Reich ainda podia ser perseguido e preso pela FDA, nos EUA, e ter queimado todo e qualquer livro que contivesse a palavra "orgone" dentro dele. Reich morreu na prisão em 1957 por lutar contra a peste emocional que já dominava há tanto tempo a humanidade. Orgone, a palavra proibida, é a energia cósmica vital que regula o universo e pulsa no interior dos corpos vivos, animais e vegetais, e que Reich aprendeu a ver, mover e acumular – uma esperança à vida e à liberdade numa era nuclear mórbida e repressora.

A partir dos anos 70, com o espetáculo fortificado, uma literal "caça às bruxas" como aquela deveria se tornar disfarçada sempre que pudesse, os mecanismos do poder ainda menos negativos: tratava-se, então, de criar um poder cada vez mais benevolente, atraente e desejável, de disseminar ainda mais o clichê no mundo e no interior dos indivíduos; de fazer confundir o desejo (como satisfação imediata de um prazer sensual) com a repressão do desejo (como pulsão e pulsação internas da vida verdadeira); de capturar dentro dos sistemas espetaculares os conteúdos e formas ameaçadores e esvaziá-los, transformá-los em meras aparências. O poder se conclui quando se transforma em espetáculo; e o espetáculo se conclui quando ninguém mais na face da terra deseja estar fora dele.

Gostaria de poder ouvir o que um situacionista diria de Depois de Maio. Os poderosos fluxos revolucionários que foram acordados e chacoalhados "naquela época" – quem diz "naquela época" é Olivier Assayas, não eu – aparecem em Depois de Maio da mesma forma que o monstro pré-histórico da última sequência, quando o protagonista Gilles é mostrado como estagiário em uma filmagem de ficção científica: distantes demais no tempo, sem qualquer vida verdadeira acessível, de modos plásticos e aparência clichê, movendo-se apenas mecanicamente, operados por uma mão humana não muito mais interessada em sua substância, mas apenas na aparência "daquela época" – e esta aparência nem mais tem como ser conferida para saber se é a verdadeira: é uma aparência qualquer, a que se quer dar agora.

O diretor Olivier Assayas diz "naquela época" porque não produz, em Depois de Maio, nenhuma pequena linha que costure ou faça irromper nos dias de hoje as ressonâncias de um poderoso corpo de revoltas do passado. Quer manter aquelas forças enfraquecidas no formato de "diários", o que foi não volta mais, como era bom o meu tempo. Nós não vamos dizer "naquela época" porque pensamos que é sempre no presente que estão ressoando, atualmente ou em potencial, os fluxos de revolta e transformação estrutural despertados no passado. Por um lado, Assayas não é bem sucedido em fazer o filme parecer como se fosse feito nos anos históricos que abordou, para ser vívido. Por outro, ou por isso mesmo, também não consegue trazer a potência do que abordou para os dias vivos do mundo atual.

Talvez possam dizer que Assayas elaborou somente uma crítica aos estudantes esvaziados, ao modo de "A miséria do meio estudantil", texto de perspicácia sem igual dos situacionistas. No entanto, enquanto o texto de 1966 apontava ainda "alguns meios para remediá-la", e denunciava os mecanismos que fomentavam aquela miséria, Depois de Maio deixa, inclusive, a miséria penetrar no cinema. Assayas tenta, mesmo, elaborar críticas aos seus personagens, como quando o cineasta revolucionário chama de lésbicas as feministas: mas as críticas, por parecerem exclusivas aos personagens, e não a um mundo real, não nos levam a uma linha de fuga, parecem feitas por uma resignação que acredita que "o ser humano é assim mesmo", e não adiantaria ainda pensar em verdadeira revolução. O filme, assim, torna-se vazio como seus personagens, e não mostra, em contraponto, um mundo que extrapole a narrativa e contenha potências não-aproveitadas. O filme não nos diz o que é, ou o que seria, melhor.

Assistir a Depois de Maio é como assistir a Na Estrada, de Walter Salles: ambos nos fazem pensar que nesta época de hoje, com o espetáculo praticamente concluído, restaram apenas as aparências das coisas. É dessa maneira que Na Estrada é nada mais do que a aparência do livro em que se baseou. Da mesma forma como a substância de On The Road, o livro de Kerouac, ainda agita os sentimentos e mobiliza a vida – as ideias e moções revolucionárias da Internacional Situacionista, publicadas originalmente às vésperas de maio de 68, ainda agitam o leitor. "Se quiserem realmente transformar o mundo, devem se livrar daqueles que querem se contentar apenas em pintá-lo de branco". Aqueles dois, citados, são filmes que se certificam de que tiraram a alma do objeto e a jogaram para bem longe, antes de mostrá-lo. Assim, Depois de Maio também não é nada mais do que a aparência da geração de 68 e depois. E não a aparência, mas uma aparência – insatisfatória.

Os personagens parecem produzidos para um editorial de moda sobre revolucionários estudantis. Todas as citações culturais à época, principalmente as musicais, acontecem mecanicamente. É forçada, a maneira como Gilles coloca Syd Barrett para tocar, exibindo para a câmera capas de Blind Faith a MC5, para depois ir pintar. Kevin Ayers, Soft Machine e Incredible String Band são muito mais fortes, sozinhos, do que as cenas nas quais suas músicas foram utilizadas. Michelangelo Antonioni já nos mostrara, em Zabriskie Point, o vazio social geral no qual estava inserida, inevitavelmente, esta geração de 68 e pós-68 – mas, no final, nos permitiu vislumbrar a explosão definitiva de todo o pequeno mundo humano exclusivo e centralizador, para imaginarmos um recomeço, do zero, no qual as novas ideias seriam não apenas "utopias", mas guias para a construção de uma nova vida. O vazio era mostrado, mas encontravam-se os vetores de fuga a todo o instante, dentro do próprio vazio: em Zabriskie Point, o vazio era o vazio do espetáculo; em Depois de Maio, o vazio é o vazio espetacularizado.

Lembrar é ser arrastado para um outro tempo, a despeito das configurações atuais – e é por isso que lembrar pode produzir futuro. Lembrar não é modificar aquele tempo inteiramente sob a ótica de hoje, quando a pouca memória que impregna o olhar atual já está embaçada. Depois de Maio mostra não as lembranças de um diretor, mas, ao contrário, como um diretor, muito tempo depois, não consegue mais lembrar.

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