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OSTRA E O VENTO, A

21.03.2003
Por Carlos Alberto Mattos
UMA AULA DE CINEMA

Quando foi lançado nos cinemas, em 1997, A Ostra e o Vento ajudou a confirmar que a dita retomada do cinema brasileiro era mais que um fogo de palha. O filme representou o País na competição oficial do Festival de Veneza, seguindo-se a uma ausência brasileira de 10 anos, e renovou parâmetros de excelência técnica e artística na produção nacional. Foi eleito o melhor filme do ano por críticos do Rio e de São Paulo, assim como pelos júris de público e crítica do Prêmio SESC. Mas, com um lançamento tímido, acabou sendo visto por menos de 80.000 pessoas, bem aquém do que seria merecido.



A chance de reparar essa injustiça chegou há pouco com o lançamento em DVD, numa edição caprichada da Som Livre. A qualidade do disco faz jus à belíssima fotografia de Pedro Farkas e ao sofisticado tratamento sonoro, finalizado em estúdios americanos. Mais importante ainda, leva ao espectador caseiro a oportunidade de tomar contato com o trabalho mais bem acabado do diretor Walter Lima Jr.



No romance homônimo de Moacir C. Lopes, Lima Jr. encontrou elementos muito caros ao seu perfil autoral. A história concentra-se num estranho triângulo, ambientado numa ilha açoitada pelo vento: a adolescente Marcela, filha de um faroleiro que a sufoca com um amor possessivo e autoritário, e um velho marinheiro que a introduz nos mistérios do mundo. Quando o filme começa, Daniel, este velho marujo, está retornando à ilha deserta. O farol está apagado. Um enigma adensa o ar. Onde foram parar os habitantes? O que dirá o diário de Marcela, abandonado ao léu?



Por trás da aparência de história policial, Walter Lima Jr. desfia seus temas prediletos: as ambigüidades da relação pai-filha, o poder da natureza de se imiscuir nos desejos humanos, a presença inelutável da morte. Como de hábito, uma concepção circular do tempo o leva a criar uma narrativa sempre surpreendente. José, o faroleiro, tem no passado a explicação de suas atitudes. Marcela mantém um caso de amor com o vento. Daniel tem um encontro marcado com diversos momentos de sua estada na ilha, inclusive o do seu próprio desaparecimento.



O filme é coeso e instigante da primeira à última cena. O elenco nunca é menos que impecável, com destaque para a autoridade cênica de Lima Duarte (José), a fragilidade bem aproveitada de Fernando Torres (Daniel) e a revelação da enorme expressividade de Leandra Leal. Não há como menosprezar também a contribuição de Floriano Peixoto, na caracterização minuciosa de um jovem imbecil e epiléptico.



Os extras do DVD compreendem um documentário de 23 minutos sobre a realização do filme, com depoimentos de atores e técnicos e cenas de making of, onde se podem ver alguns truques de filmagem e a incrível parafernália que reproduzia a luz do farol. Numa faixa de áudio especial, Walter Lima Jr. comenta o filme in extensu, mostrando por que é considerado um dos mais completos e sensíveis analistas de cinema do país. Ao mesmo tempo em que fornece sua leitura da trama, ele correlaciona aspectos psicológicos com recursos da linguagem cinematográfica, decodifica a luz, a cenografia, as cores etc. Em qualquer faixa que se escolha, o DVD de A Ostra e o Vento é uma aula de cinema.



(Texto publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo de 14.03.2003)



A OSTRA E O VENTO

Brasil, 1997

Direção e roteiro: Walter Lima Jr.

Baseado no romance homônimo de Moacir C. Lopes

Produção: Flávio R. Tambellini

Fotografia: Pedro Farkas

Montagem: Sérgio Mekler

Direção de arte: Clóvis Bueno

Música: Wagner Tiso

Canção-tema: Chico Buarque, interpretada por Branca Lima

Som direto: Márcio Câmara

Edição de som: Tom Paul

Elenco: Leandra Leal, Lima Duarte, Fernando Torres, Floriano Peixoto, Castrinho, Débora Bloch, Arduíno Colasanti.

Duração: 112 minutos

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