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CIDADE DE DEUS

28.07.2003
Por Marcelo Janot
UM NOVO OLHAR SOBRE "CIDADE DE DEUS"

É interessante rever Cidade de Deus um ano depois de seu lançamento nos cinemas, agora que já esfriaram as inúmeras polêmicas que renderam ao filme, graças a todo esse burburinho, mais de 3.300.000 espectadores. Mais interessante ainda é a possibilidade que o DVD permite, graças à faixa com comentários, de assisti-lo na companhia do diretor Fernando Meirelles, do roteirista Braulio Mantovani e do diretor de fotografia César Charlone. Paralelamente, o lançamento do roteiro de Cidade de Deus em livro (ed. Objetiva), em uma edição recheada de textos complementares, assinado por Meirelles, Mantovani e pela jornalista Anna Luiza Müller, permite uma completíssima radiografia das intenções dos realizadores da obra que trouxe o cinema brasileiro de volta à boca do povo.



A vantagem da faixa com comentário é que, por ter sido gravada um bom tempo depois do lançamento do filme, possibilita ao cineasta fazer uma espécie de releitura de sua obra e também esclarecer alguns pontos polêmicos do que foi dito sobre ela. Tudo isso com o filme rolando ao fundo. Logo de cara, Meirelles, Mantovani e Charlone procuram desmistificar aquele plano em que a câmera gira 360 graus em torno do personagem Buscapé, que rendeu acusações de “espetacularização” ao estilo Matrix, dizendo que não há efeito especial nenhum ali, o mérito é todo da montagem.



Um dos aspectos que se percebe ao ver o filme na companhia do trio é a preocupação de Meirelles e equipe com a função didática de Cidade de Deus, ao querer mostrar o desenvolvimento do tráfico no Rio de Janeiro. Em vários momentos ele se refere a esse didatismo, seja na estrutura temporal do roteiro, nas locuções em off e na opção estética que distingue cada fase. A influência da publicidade e a glamourização da violência, que foram alguns dos aspectos em que os detratores do filme pegaram mais pesado, também são comentados por Meirelles. Ele, que rejeita o termo “estética publicitária”, assume que, na seqüência da morte de Cabeleira, o plano em que Cabeleira está empurrando o carro, com a câmera presa no retrovisor do veículo, foi inspirado por um comercial da Rider, mas acabou resultando numa das seqüências mais belas do filme. Meirelles não aceita as comparações com Pulp Fiction, dizendo que a violência no seu filme é sempre implícita, não tem sangue espirrando na câmera como Tarantino gosta de fazer. Mas reconhece que a cena da chacina na casa de Mané Galinha ficou com cara de filme americano, glamourizada por causa do barulho dos tiros. Mantovani discorda, achando que o barulho funciona no sentido de dar uma dimensão claustrofóbica à cena.



Para quem já teve oportunidade de participar de algum encontro com Fernando Meirelles, o DVD reforça uma impressão sobre ele: a de que Meirelles não tem aquele perfil do cineasta vaidoso que se ufana de seu trabalho, comum a muitos realizadores tupiniquins. Humilde, ele não cansa de atribuir os méritos do filme a integrantes de sua equipe e também fala com franqueza dos equívocos, das cenas que ele não gostou e do que não funcionou. Para ele, a cena em que Cabeleira seduz Berenice, embora reproduza o diálogo do livro de Paulo Lins, perdeu o impacto na tela. “Ficou artificial”, disse Meirelles. Assim como a cena do assalto ao ônibus, que ele imaginava que seria o momento em que o cinema explodiria em gargalhadas. “Foi a minha maior frustração”.



Outro aspecto valioso do comentário em áudio dos realizadores é quando eles falam das inúmeras cenas que foram cortadas, explicando os motivos que levaram a isso. Muitas destas cenas são reproduzidas no livro, mas lamentavelmente não foram incluídas como extra do DVD. E o pior é que em vários momentos do comentário eles dizem “esta cena vocês podem ver nos extras do DVD”. A sensação de frustração é inevitável, e soa como propaganda enganosa, até porque daqui a alguns meses a Imagem Filmes irá lançar uma nova versão do DVD, dessa vez com as cenas deletadas e outros extras, como um making-of original que fala sobre a produção e a vida numa comunidade, vista pelos atores, os trailers de 5 países e galeria dos cartazes ao redor do mundo. Ou seja, se você estiver ansioso para conferir o DVD de Cidade de Deus, vale a pena apenas alugar esse na locadora (que tem também um bom documentário de cerca de 50 minutos sobre a preparação dos atores), e esperar até setembro ou outubro para comprar a versão mais caprichada.



# CIDADE DE DEUS

BRASIL, 2002

Direção: FERNANDO MEIRELLES

Roteiro: BRAULIO MANTOVANI

Fotografia: CESAR CHARLONE

Elenco: ALEXANDRE RODRIGUES, LEANDRO FIRMINO DA HORA, JOHNATHAN HAAGENSEN, PHELIPE HAAGENSEN, DOUGLAS SILVA, SEU JORGE, MATHEUS NACHTERGAELE

Duração: 130 minutos

Região do DVD: 4

Legenda: Inglês

Formato de Tela: 4:3 Letterbox

Idiomas: Português (Dolby Digital 5.1 e 2.0)

Extras: Comentários em áudio de Fernando Meirelles, Braulio Mantovani e Cesar Charlone, Documentário sobre a Oficina de Atores, Anúnncio do Livro do Roteiro e do CD Cidade de Deus Remix

Distribuidor: Imagem Filmes

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