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CANGAÇO – O NORDESTERN NO CINEMA BRASILEIRO

13.06.2005
Por Carlos Alberto Mattos
CANGAÇO – O NORDESTERN NO CINEMA BRASILEIRO

No dia 18 de junho, durante o festival Cinesul, no Centro Cultural Banco do Brasil – RJ, a jornalista e pequisadora Maria do Rosário Caetano lança o livro Cangaço – O Nordestern no Cinema Brasileiro, que ela assina como organizadora. É a primeira publicação inteiramente dedicada a um tema seminal do nosso cinema desde que o clássico O Cangaceiro, de Lima Barreto, conquistou o público e projetou o Brasil nas telas internacionais em 1953.



Na ponta mesmo do facão, essa conta começa ainda no período silencioso – mais precisamente em 1925, quando os personagens dos cangaceiros fizeram sua estréia no drama Filho sem Mãe, do pernambucano Tancredo Seabra. Dali até o épico místico Corisco e Dadá (1996) e a recriação pós-moderna de Baile Perfumado (1997), muitos parabelos, embornais e chapéus decorados passaram pelo cinema. Nessa trajetória, os cangaceiros foram aproximados não só com o western americano (daí o termo nordestern, cunhado pelo crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva), como também com Shakespeare (Faustão, de Eduardo Coutinho) e Brecht (Deus e o Diabo na Terra do Sol). Foram motivo de filmes infantis (O Cangaceiro Trapalhão) e eróticos (A Ilha das Cangaceiras Virgens).



Isso, contudo, não significa que o assunto foi esgotado nos filmes. Pelo menos não tinha sido até 1966, quando Lucila Ribeiro Bernardet e Francisco Ramalho Jr. escreveram o texto “Cangaço – Da Vontade de se Sentir Enquadrado”. No auge do culto ao subgênero, Lucila e Ramalho explicavam a efetiva ausência do cangaceiro num ciclo nominalmente dedicado a ele. Os filmes faziam, na verdade, uma forma ambígua de condenação ao cangaço, tratando geralmente de um herói em conflito que resolvia deixar o cangaço e fazer as pazes com as instituições. A história, portanto, era de como não ser cangaceiro.



Esse foi o texto que, inédito por 39 anos, estimulou Maria do Rosário Caetano a organizar o volume. Rosário é um dínamo jornalístico a serviço do cinema brasileiro. Ela nasceu em Minas Gerais, viveu em Brasília, mora e trabalha atualmente em São Paulo, mas abraçou o país inteiro – e a América Latina por extensão – numa lida incansável pela divulgação e a valorização do nosso cinema. É autora dos livros Cinema Latino-americano – Entrevistas e Filmes (Estação Liberdade, 1977) e João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas Histórias (Coleção Aplauso/Imprensa Oficial de SP, 2003). No prelo, também pela Coleção Aplauso, tem a “Biografia Precoce” de Fernando Meirelles. O meio cinematográfico a tem como um entreposto de informações e campanhas apaixonadas pelo resgate de filmes e artistas caídos no esquecimento.



Mito perene da conturbada ética brasileira, o cangaço estava mesmo a merecer esse esforço concentrado. O livro contempla textos tão diversos quanto uma crônica culpada de Ruy Guerra sobre o seu contato com o Coronel Rufino, o homem que matou Corisco, até um denso inventário da professora Walnice Nogueira Galvão sobre as flutuações da moda do sertanejo e do caipira em diversas modalidades artísticas e literárias (“Metamorfoses do Sertão”). Com um vocabulário surpreendente, algo fora de registro, Walnice fornece um pano de fundo importante para qualquer estudo que de agora em diante se venha a fazer sobre o cangaço nas artes.



Algumas manifestações pontuais ganharam boas resenhas. O crítico Luiz Zanin Oricchio examina, em “O Cangaceiro Paradoxal”, as semelhanças entre esse gênero de “bandido social” e os chefes de tráfico atuais, bem como a maneira dialética com que Glauber Rocha construiu a sua figura de Corisco em Deus e o Diabo na Terra do Sol. O cineasta e pesquisador baiano José Umberto historia as andanças do mascate e documentarista Benjamim Abrahão no rastro de Lampião em texto originalmente publicado no número inaugural dos Cadernos de Pesquisa, editado pelo Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro e a Embrafilme em 1984. Alberto Freire questiona o imobilismo estético e o olhar caricatural da refilmagem de O Cangaceiro (Aníbal Massaini, 1997). Marcelo Dídimo, por sua vez, faz um belo trabalho de análise fílmica a respeito de Baile Perfumado, ressaltando a “construção em abismo” que parte das imagens de Benjamim Abrahão e chega ao mito pop redivivo no reino do árido movie. A organizadora, por sua vez, entrevistou Maurice Capovilla acerca de sua inovadora experiência de mesclar documentário e reconstituição ficcional no programa O Último Dia de Lampião (1975), da série Globo Repórter.



O livro traz boas e raras fotografias, é compacto e ordenado segundo critérios cronológicos relativos à época de produção dos filmes. A destoar da qualidade geral somente o levantamento enciclopédico de Luiz Felipe Miranda, que se detém em detalhes desnecessários da carreira de produtores e diretores, enquanto passa ao largo de menções essenciais como o Corisco de Glauber e despacha em três linhas o indespachável Baile Perfumado.



Distribuído informalmente pela organizadora em livrarias esparsas, Cangaço – O Nordestern no Cinema Brasileiro compensa qualquer esforço para encontrá-lo. Uma estante sobre cinema brasileiro onde ele falte passa a ser tão estranha e incompleta quanto um cangaceiro sem chapéu.





# CANGAÇO – O NORDESTERN NO CINEMA BRASILEIRO

Organizadora: MARIA DO ROSÁRIO CAETANO

Avathar, Brasília, 2005

120 páginas

Preço: 25 reais

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