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NEM PAZ, NEM AMOR

25.05.2018
Por Marcelo Janot
A série "Wild Wild Country" e os efeitos do fanatismo e do preconceito

Não se espante se, assim como “O.J.: Made in America” ganhou o Oscar de Melhor Documentário ano passado mesmo tendo sido pensado originalmente como uma série de 5 capítulos para a TV, “Wild Wild Country” repetir a façanha. A série da Netflix dirigida por Chapman e Maclain Way oferece, em pouco mais de seis horas de duração, farto material para reflexão sobre temas como fanatismo religioso e político, intolerância, xenofobia, ódio, entre outras pautas. O foco é a chegada em uma pequena cidade americana, no início dos anos 80, do guru indiano Baghwan Rajneesh, o Osho, e seu crescente séquito de seguidores, com o intuito de fazer da pacata Antelope sua base no país. Mas “Wild Wild Country” é sobre muito mais que isso. Vale a pena sobretudo observar como o impressionante conteúdo de seus seis capítulos tem reflexos no mundo de hoje.

Antelope, no Oregon, era uma cidade de apenas 40 habitantes, a maioria aposentados que viviam uma pacata rotina, quando receberam a notícia de que a seita de um guru indiano havia adquirido um gigantesco terreno no local. A gradual chegada daquelas pessoas de roupas esquisitas que pregavam um mundo mais espiritualizado através de cantos, meditações e amor livre despertou um sentimento de repulsa por parte dos locais. Como do outro lado não havia apenas a filosofia “paz e amor”, e sim uma forte organização comandada a mão de ferro pela secretária e porta-voz de Baghwan, Ma Anand Sheela, logo Antelope se transformaria em Rajneeshpuram, a cidade de Osho, com direito a uma milícia fortemente armada.

Articulados politicamente, os líderes sannyasins usaram métodos pouco ortodoxos para eleger o prefeito e passar a dominar a região – entre eles fazer ônibus percorrerem os Estados Unidos recrutando sem-teto para integrar a comunidade e envenenar a água e a comida dos outros moradores às vésperas da eleição. Ou seja, se ao longo da série somos o tempo inteiro confrontados, através de imagens de época, com a reação xenófoba à “invasão vermelha” (referência não ao comunismo, mas às roupas dos religiosos), por outro lado impressiona o maquiavelismo de Sheela. Como na ocasião o Baghwan havia feito voto de silêncio, fica difícil saber até que ponto ela estava seguindo ordens dele ou se tudo o que ela fez era parte de um golpe ardiloso.

Como “Wild Wild Country” não oferece muita informação sobre o que de fato pregava aquela religião – além de Baghwan não dar entrevistas, há poucas cenas de falas dele nos cultos – , chama a atenção a obediência cega dos seguidores, levados a participar inclusive de tentativas de assassinato. As entrevistas recentes com alguns deles são esclarecedoras nesse sentido, para mostrar como alguns se sentiram iludidos enquanto outros não se arrependem de nada – o que nos ensina que não se deve esperar racionalismo e autocrítica de seguidores fanáticos de seitas, igrejas e partidos políticos obedientes a um grande líder, seja nos Estados Unidos, seja ao redor do mundo. Junte a isso uma população contaminada por ódio e preconceito, e o caldeirão em ebulição está pronto para transbordar.

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