Críticas


BERGMAN – 100 ANOS

De: JANE MAGNUSSON
Com: INGMAR BERGMAN, LIV ULLMANN, ELLIOTT GOULD, BARBRA STREISAND
18.07.2018
Por Luiz Fernando Gallego
Com o mérito de não ser uma hagiografia, pode desfazer antigos mitos sobre Ingmar Bergman enquanto propicia que surjam outros novos.

Ao incluir em seu excelente documentário uma antiga entrevista de Dag Bergman, supostamente pouco divulgada por interferência de seu irmão mais novo e bem mais famoso, o diretor de cinema Ingmar Bergman, a jornalista e documentarista Jane Magnusson pode estar desfazendo um mito alimentado pelo próprio cineasta quando repetiu inúmeras vezes como seu pai o castigava quando criança. Dag diz que era ele quem sofria terríveis punições corporais enquanto Ingmar seria o “queridinho”, pois bajulava o pai – um rígido pastor luterano - fazendo-lhe perguntas sobre o céu, anjos e assuntos piedosos similares.

Se desfizer este mito, certamente estará criando outro: o Bergman mentiroso ou mitômano, fabulador que se apropriava de experiências alheias para reciclá-las como próprias, mencionando-as como suas na famosa autobiografia “Lanterna Mágica” - e mesmo recriando-as em filmes com fortes traços também autobiográficos, como em Fanny e Alexander.

De qualquer modo, neste sentido, a maior qualidade do filme de Magnusson, está em não ser uma hagiografia: o homem Bergman aparece em toda a sua humanidade com qualidades e (muitos) defeitos, especialmente no campo interpessoal - e mais ainda na relação com suas esposas e amantes. E com os filhos negligenciados: em algum momento de sua vida, numa entrevista, ele erra quantos filhos já tinha.

Por outro lado, não se trata de mera lavagem de roupa suja: o artista criador de filmes absolutamente maravilhosos é sempre elogiado como tal e nem mesmo seus filmes insatisfatórios (ou mesmo ruins, e eles existem) são mencionados. Adorado (em geral) pelos atores e atrizes mesmo quando ainda não era o Bergman mais velho e todo-poderoso diretor do Royal Dramatic Theater em Estocolmo, situação em que podia impulsionar - ou não – carreiras. Mesmo assim, podia usar de recursos nada ortodoxos para extrair de um desempenho o que desejava com exatidão.

Na verdade, Bergman nunca escondeu muito alguns de seus lados menos favoráveis, tanto em relação à sua vida familiar como o encantamento juvenil que teve pelo nazismo, durante uma viagem de intercâmbio à Alemanha quando tinha 16 anos - segundo sua autobiografia - ou 18, segundo o filme corrige. De qualquer modo, ele não teria sido o único sueco de 16, 18, ou ainda bem mais maduro que se deixou iludir pela máquina de idealização nazista. A questão é que muitos nunca assumiram isso nem fizeram um mea-culpa, o que ele fez em mais de um filme: algo metaforicamente em Vergonha e bem explicitamente em O Ovo da Serpente. E em “Lanterna Mágica”. Aliás, neste livro, ele menciona que Dag teria sido fundador do partido Nacional-Socialista sueco, o que certamente não deve ter deixado o irmão muito satisfeito, tenha sido isto verdade ou não. E a partir deste dado qualquer espectador pode se perguntar quem falou “a” verdade: Dag ou Ingmar quando dizem ter sofrido castigos físicos por parte do pai? Estranha disputa entre dois irmãos que nunca se deram muito bem – e tal animosidade parece ser mesmo bem verdadeira.

Por outro lado, a única irmã deles já havia dito (isto não está no filme) que a famosa história de que o pai, como outra modalidade de castigo, trancava Ingmar num armário – e dentro do qual haveria duendes que comem dedos dos pés das crianças - não poderia ser atribuída ao pai, mas a avó deles, avó que Bergman recria em tintas bem favoráveis, tanto em Fanny e Alexander como em Face a Face, filme no qual a personagem vivida por Liv Ullmann diz ter sofrido este castigo como imposto pelos pais...

Enfim, o documentário muito bem feito e com a excelente pesquisa de Jane Magnusson pode trazer à baila características possíveis do homem Ingmar, mas talvez não venha a ser a última palavra sobre o artista, tão demasiadamente humano - e como tal, bastante contraditório.

Louve-se também o gancho escolhido, o ano de 1957, quando Bergman lançou dois de seus filmes mais famosos, O Sétimo Selo e Morangos Silvestres, além de ter dirigido dois espetáculos teatrais, sendo um deles uma celebrada montagem de Peer Gynt, de Ibsen, com cinco horas de duração. Como se fosse pouco, também dirigiu dois rádio-teatros e um teleteatro para a recém-instalada televisão sueca. E ainda começou a filmagem de outro longa, lançado em março do ano seguinte, No Limiar da Vida. Oficialmente, continuava casado com sua terceira mulher e já havia terminado, em 1955, o caso com Harriet Andersson (que ele praticamente “revelou” em Monica e o Desejo, de 1953) e desde então mantinha um caso com Bibi Andersson. Mas a atriz que vemos entrevistada é Liv Ullmann - com quem teve mais uma filha – e que, emocionada, diz que ele “nunca lhe fez nada de mal”. Pode não ter feito o que fez com um ator-diretor tido como seu sucessor numa encenação tardia para o Royal Theater, mas não foi por nada que ela o abandonou depois de cinco anos de vida em comum sobre os quais há notícias de momentos bem atormentados, tal como em muitos de seus filmes surge a vida conjugal, à qual muitos dos personagens se submetem para evitar a solidão.

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