Críticas


UMA NOITE DE 12 ANOS

De: ÁLVARO BRECHNER
Com: ANTONIO DE LA TORRE, CHINO DARÍN, ALFONSO TORT.
27.09.2018
Por Maria Caú
Em tempos de saudosismo dos regimes ditatoriais sanguinolentos, um filme necessário e forte

No início dos anos 1970, três integrantes do movimento Tupamaros, grupo de guerrilheiros que resistiam contra a ditadura uruguaia e foi paulatinamente desmantelado, foram presos. Eram eles: Eleuterio Fernández Huidobro, Mauricio Rosencof e José Mujica. Pelos próximos doze anos, eles ficariam na tortura constante de um isolamento quase completo, sem acesso às condições mínimas para a manutenção da dignidade humana, num estado de penúria extrema inimaginável. É a história desse período que o diretor Álvaro Brechner conta em Uma noite de 12 anos, aludindo com o título, que lembra outro filme sobre o período ditatorial da América Latina, o documentário O dia que durou 21 anos, à morosidade desse terrível e injusto tormento.

O filme ganha força quando se compromete a retratar o isolamento total desses homens, que se tornaram, nas palavras de um dos personagens, não mais presos, e sim reféns. Legado ao espaço exíguo das celas junto com eles, a tatear paredes com a câmera, o espectador é atingido por uma dolorosa claustrofobia e sensação de impotência. Quando a narrativa escolhe deixar esse espaço, para flashbacks algumas vezes clichês, noutras por demais ilustrativos, apesar de pertinentes, um pouco desse impacto se dilui. A exceção é a forma como o filme retrata a crescente loucura de Mujica, que acaba recriando o passado e suas memórias numa construção interessante que reflete seu desnorteamento.

Os três atores principais, Antonio de la Torre (Mujica), Chino Darín (o filho do ator argentino mais celebrado no Brasil, Ricardo Darín, interpreta Mauricio Rosencof) e Alfonso Tort (Huidobro), seguram bem a dificuldade dos papéis, inclusive com um trabalho de corpo bastante interessante, ainda que a caracterização algumas vezes vacile.

Alguns dos melhores e mais emocionantes momentos envolvem as tentativas de comunicação entre Rosencof e Huidobro, que desenvolvem um novo Código Morse para conversarem através das grossas paredes que os separam, mantendo algum contato afetivo a despeito das tentativas dos guardas de privarem os presos de absolutamente tudo. Nessas sequências também há momentos de um humor doloroso, que dá ainda mais densidade à interação entre os personagens. Talvez o arco dramático mais tocante seja a relação de Rosencof com a literatura e sua tentativa permanente de continuar escrevendo, mesmo sem acesso a papel e caneta, numa representação da escrita enquanto grande ato de resistência.

A narrativa acaba se desdobrando em diversos pequenos finais sucessivos e se alongando um pouco além do que talvez devesse, ainda que esses momentos sejam genuinamente comovedores, com um bom uso do som e da trilha (destaque para uma excelente versão da canção The Sound of Silence, de Simon & Gurfunkel, imortalizada no início de A primeira noite de um homem). Melhor escolha seria manter a dureza até o fim, sem a opção pelo final apoteótico. Mesmo porque o destino dos personagens é bastante conhecido, já que eles se tornariam figuras públicas bastante celebradas no Uruguai - Huidobro seria escritor e ministro da Defesa do país, Rosencof um dramaturgo e poeta renomado, e José Mujica, o Pepe, presidente, como – dizem – sua mãe havia previsto durante aqueles tenebrosos doze anos.

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