Críticas


BRILHANTE

De: CONCEIÇÃO SENNA
08.12.2006
Por Carlos Alberto Mattos
MUITO ALÉM DO MAKING OF

Existe um preconceito segundo o qual documentários sociais sobre coisas que deram certo geralmente não dão certo. São vistos como peças institucionais, bem ou mal disfarçadas. Exemplo típico foi o emocionado O Sonho de Rose, de Tetê Moraes, que não obteve a repercussão merecida por mostrar iniciativas bem sucedidas de assentamento rural. Brilhante corre risco semelhante para quem não se ligar na sua complexidade.



A história remonta a 1976, quando, no rastro de suas experiências com Jorge Bodanzky nos semidocumentários Iracema e Gitirana, Orlando Senna dirigiu Diamante Bruto. Devido a problemas com a censura, esse filme chegaria às salas comerciais mais cedo que os anteriores.



Senna extraiu o áspero e belo Diamante Bruto do romance Bugrinha, de Afrânio Peixoto. Na parte ficcional, um ator famoso (José Wilker) voltava depois de 20 anos à cidade natal, a pequena Lençóis (BA), um pouco à moda da Tieta de Jorge Amado. Reencontrava uma antiga namorada, a negra Bugrinha, e interagia com os garimpeiros locais. A esse entrecho se mesclava um documentário sobre a crise no garimpo e o misticismo do povo da Chapada Diamantina.



A gestação de Diamante Bruto foi coletiva. Até Gilda Ferreira, a bela co-protagonista, foi escolhida pelos habitantes de Lençóis (onde, aliás, nasceu o diretor). A atriz Conceição Senna, esposa de Orlando, fez o papel de Rita, uma aventureira que rivalizava com Gilda pelo coração do ator. Quase 30 anos depois, ela passa para trás das câmeras e dirige Brilhante, documentário sobre os efeitos daquela filmagem nos destinos da cidade.



A rememoração dos episódios de 1976, tanto pela equipe como pelos habitantes, traz momentos deliciosos, mesmo para quem não conhece o original. É o caso de um figurante, muito orgulhoso pela sua rápida aparição num canto da tela. Ou a excitação de um morador ao relatar como ele e outros rapazes escalavam um morro para ver Renée de Vielmond (então esposa de Wilker) tomar banho de sol. Gilda conta como foi sucessivamente estigmatizada e festejada pelos conterrâneos, antes que um casamento a levasse para a Suíça. Mas as qualidades do filme vão bem além do que costuma aparecer nos making of a posteriori disponíveis em DVDs. Conceição empreende uma investigação profunda e matizada do que representou para Lençóis aquele breve momento de exposição.



Por um lado, a cidade superou a decadência, teve seu patrimônio arquitetônico tombado, viu crescer o fluxo de ecoturismo e viveu um surto de liberação de costumes e uma certa recuperação da auto-estima por parte da população. Lençóis acabou virando pólo de esotéricos, artistas e visitantes estrangeiros. À primeira vista, um processo com final feliz, tema difícil para docs no Brasil. Mas Brilhante não se contenta com o auto-elogio. Em vez disso, aponta as contradições de uma modernização que teria acarretado outra forma de decadência.



Lençóis passou de centro extrativista a núcleo prestador de serviços. Os velhos garimpeiros se sentiram tangidos do lugar. O custo de vida disparou e a falta de perspectivas hoje assombra a maioria que não partilha os benefícios da cidade modernizada. No retrato honesto oferecido por Conceição Senna, podemos divisar não apenas a terra de Bugrinha, mas a sorte de muitas cidades brasileiras.



Com carinho pelo seu objeto, mas sem oba-oba, calcado na observação pessoal mas isento de personalismo, Brilhante tem, se não um brilho especial, certamente o sabor das memórias bem contadas.





BRILHANTE

Brasil, 2005

Direção e roteiro:
CONCEIÇÃO SENNA

Produção executiva: AÍDA MARQUES

Fotografia: SOFIA FEDERICO

Montagem: LUÍS GUIMARÃES DE CASTRO

Som direto: GUILLERMO PALÁCIOS

Edição de som: VIRGÍNIA FLORES

Música: MARCOS SOUZA

Duração: 75 minutos

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