Identificado com personagens flamejantes e não raro maiores que a vida, é interessante ver Peter O’Toole às voltas com cateteres e exames de próstata, movendo-se com dificuldade ou desastradamente no papel de um ator em fim de carreira que só encontra papéis de moribundo. O grande ator irlandês interpreta Maurice com um misto de adesão e distanciamento: sabe que não corresponde exatamente ao personagem, mas os 75 anos tampouco lhe pouparam do envelhecimento corporal. Certa vez, ele disse que o único exercício físico que fazia era “seguir o caixão dos amigos que faziam exercícios”.
O’Toole é a razão de ser de Vênus, modesta produção inglesa que só ganhou maior visibilidade pela indicação do ator ao Oscar. Ele nunca levou a estatueta para casa, e dificilmente a levará desta vez porque o filme não ajuda muito. Hanif Kureishi, o romancista e roteirista de Minha Linda Lavanderia, escreve pela segunda vez uma história de amor intergeracional para o diretor Roger Michell. A primeira foi The Mother, lançado diretamente em DVD no Brasil com o título de Recomeçar. Ali, uma mulher madura apaixonava-se pelo namorado da filha. Em Venus, é o debilitado e impotente Maurice quem sucumbe ao charme bronco de uma jovem candidata a modelo.
Maurice pressente que muita carência e alguma ternura se escondem por trás da casca grossa de Jessie. Sua questão central é até que ponto aceitará renunciar ao amor próprio para satisfazer um desejo que pode ser o seu derradeiro. Homem que dedicou as prioridades da vida ao prazer, ele está disposto a ser humilhado sexualmente em troca do seu projeto de Pigmalião. Só que em lugar de cultura, pretende fornecer sensibilidade a sua Galatéia. Sensibilidade, principalmente, para aceitar sua corte pegajosa de amante decrépito.
Não faltam boas sugestões ao argumento. O que falta, porém, é uma dramaturgia que as faça florescer. Em vez disso, sucedem-se os chistes sobre velhice, televisão e remédios, em tom de sitcom geriátrica. Em nenhum momento somos tocados pela suposta energia que, mal ou bem, corre entre Maurice e Jessie, nem entre Maurice e seu ranheta amigo do peito (Leslie Phillips). Até Vanessa Redgrave desaparece numa ponta apagada, manietada por casaquinho e bengala.
O mundo do teatro, no qual sempre viveram os personagens principais, não gera mais que duas ou três referências bastante artificiais. Mais espaço ganha o quadro A Toalete de Vênus, de Velasquez, no qual a deusa do amor mira a si própria e a nós no espelho levantado por Cupido. Se o amor for mesmo um misto de dádiva e narcisismo, fica mais fácil entender por que inevitavelmente caímos em sua armadilha. A fragilidade de Peter O’Toole quer comunicar tudo isso. Daí ele parecer, no fundo e mais uma vez, maior que o filme.
VÊNUS (VENUS)
Inglaterra, 2006
Direção: ROGER MICHELL
Roteiro: HANIF KUREISHI
Fotografia: HARIS ZAMBARLOUKOS
Montagem: NICOLAS GASTER
Música: DAVID ARNOLD, CORINNE BAILEY RAE
Elenco: PETER O’TOOLE, JODIE WHITTAKER, LESLIE PHILLIPS
Duração: 95 minutos
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