Críticas


CADÊ VOCÊ, BERNADETTE?

De: RICHARD LINKLATER
Com: CATE BLANCHETT, BILLY CUDRUP, KRISTEN WIIG
07.11.2019
Por Maria Caú
Um filme à deriva, sem saber em qual cais tentar atracar

Bernadette (Cate Blanchett) é uma arquiteta precocemente aposentada que vive em Seattle com o marido bem-sucedido e workaholic e a filha adolescente, que propõe aos pais uma viagem em família para a Antártida. A perspectiva da longa jornada leva Bernadette a uma espiral de descontrole, já que sua agorafobia paralisante a impede de conviver de forma saudável em quaisquer ambientes sociais.

Nem o talento de Blanchett, que sempre rende momentos comoventes, é capaz de impedir o naufrágio. Se boa parte da trama se passa em barcos, casas despedaçadas sobre colinas derrapantes e até num restaurante giratório, a narrativa parece (perdoem o excesso de metáforas náuticas neste texto) à deriva. Não se sabe se Richard Linklater (dos excepcionais Boyhood e Waking Life, além da trilogia Antes do amanhecer) desejava fazer um drama familiar, uma comédia escrachada apoiada nas constrangedoras interações com a vizinha Audrey (Kristen Wiig) ou um filme sobre processo criativo: o fato é que ele não logra realizar a contento nenhum dos três.

Há algumas cenas interessantes entre mãe e filha, que nutrem uma relação baseada na compreensão mútua, diferindo dos conflitos tão comuns da representação da convivência entre adolescentes e seus pais no cinema. Também é notável (mas muitíssimo mal explorada) a reflexão de que, nas palavras de um personagem, “as pessoas que nasceram para criar, quando não o fazem, se tornam uma ameaça à sociedade”. Essas boas ideias, no entanto, navegam águas turbulentas num mar de subtramas tão absurdas quanto desnecessárias (a suspensão de descrença por parte do público resulta improvável).

Além disso, é possível pressentir (da pior forma) que o filme se baseia num livro: o espectador suspeita que alguns dos episódios poderiam ser melhor explicados através da imersão mais naturalmente internalizada da literatura. É exatamente esse tipo de sensação, que coloca o cinema num posto subalterno com relação ao romance, que deve ser cuidadosamente evitada em qualquer adaptação, talvez reduzindo o escopo de incidentes e reviravoltas apresentados em prol de uma construção mais propriamente fílmica. Querendo abarcar mil historietas e jornadas de transformação pessoal, o conjunto termina precipitado e vazio.

Em meio à tanta maresia, resta tomar um Dramin e aguardar o fim da viagem.



 

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