Críticas


UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK

De: WOODY ALLEN
Com: ELLE FANNING, TIMOTHÉE CHALAMET, JUDE LAW, LIEV SCHREIBER, SELENA GOMEZ
22.11.2019
Por Marcelo Janot
A arte de Woody Allen é a melhor resposta à patrulha do 'cancelamento'

Os filmes de Woody Allen sempre foram adorados por uma legião de fãs que, se não é do tamanho do público da Marvel, ao menos se mostra fiel há décadas. A regularidade que ele alcançou em mais de 50 filmes, com algumas das maiores obras-primas das últimas décadas, o coloca em posição de destaque entre os cineastas contemporâneos.

Allen está casado com Soon –Yi Previn há 22 anos. Ela é filha adotiva de sua ex-mulher Mia Farrow e do ex-marido dela, André Previn. Começaram a se relacionar amorosamente quando ela já era maior de idade, e nunca moraram juntos quando ela era menor.

Quando movimentos identitários como o MeToo surgiram com força em Hollywood para denunciar casos de estupro e assédio sexual cometidos por homens, Woody Allen, que após dezenas de produções nunca teve uma só acusação contra ele por parte de integrantes das equipes, passou a ver atores e atrizes que trabalharam em seus filmes aderirem ao movimento doando o cachê que receberam.

A motivação: o resgate de uma acusação de assédio movida por uma de suas filhas adotivas nos anos 90, quando Allen disputava a guarda da menina com Mia Farrow. As investigações feitas por equipes especializadas em abuso sexual infantil na época chegaram à conclusão de que a criança que fez a denúncia contra Allen havia sido "treinada" por sua mãe, Mia Farrow. Nunca nada foi comprovado contra o diretor.

Este resgate foi orquestrado por Ronan Farrow, aquele que supostamente é o único filho biológico de Allen (“supostamente” porque o rapaz é a cara de Frank Sinatra, com quem Mia Farrow se relacionou antes, e a própria Mia declarou em entrevistas que o filho, que nunca fez exame de DNA, poderia sim ser filho biológico de Sinatra).

A reboque de toda a repercussão trazida pelo MeToo, veículos de comunicação do mundo inteiro começaram a incorrer num erro jornalístico grave: quase toda vez que faziam matérias sobre estupradores e assediadores na indústria do cinema, colocavam Woody Allen ao lado de outros cujos casos haviam sido comprovados, ignorando que as investigações contra Allen jamais atestaram qualquer tipo de culpa. “Ah, mas duvidar da palavra da vítima já é por si só uma atitude machista”, é comum ouvirmos em resposta. Mas para haver vítima é preciso primeiro haver um culpado, né? E, ao que tudo indica, aqui a vítima é Allen.

Vítima sobretudo do cerceamento ao direito de exercer sua arte. Pela primeira vez desde 1981 ele ficou um ano sem lançar um filme, porque a Amazon, que produziu “Um Dia de Chuva Em Nova York”, foi pressionada por estes movimentos a engavetar o filme. Depois de um longo imbróglio, com indenização a receber por quebra de contrato, Allen conseguiu o direito de lançar o filme, pelo menos fora dos Estados Unidos, onde as patrulhas não conseguiram que ele fosse “cancelado” (um termo com perigoso viés que se aproxima do fascismo, e que significa “varrer do mapa” a obra daquele eleito para ser o alvo do movimento).

Ainda assim, ele resiste, mesmo dando sinais, aos 82 anos, de que seu estoque de novas ideias já não anda tão cheio. “Um Dia de Chuva em Nova York” recicla personagens e situações de algumas de suas melhores comédias românticas, como “Manhattan”, “Meia-Noite em Paris” e “Tudo pode dar certo”. Mesmo com gosto de prato requentado, o novo filme traz iguarias raras de se encontrar no humor contemporâneo.

Os fãs do diretor vão reconhecer a narração em off, o protagonista nostálgico que sonha com uma Nova York que ele não conheceu, as cirandas amorosas, os lugares icônicos de Manhattan, os dilemas e angústias de personagens brancos e endinheirados. Sempre foi esse o mundo de Allen, e embora seu cinema acabe soando um tanto anacrônico numa época em que as políticas identitárias cada vez mais ditam regras na indústria cultural (para o bem e para o mal), o resultado ainda é acima da média.

Elle Fanning está excelente como a jovem estudante de jornalismo que se deslumbra com os bastidores do cinema ao mesmo tempo em que enfeitiça um diretor (Liev Schreiber) , um roteirista (Jude Law) e um ator (Diego Luna) famosos. Paralelamente, seu namorado inicia um flerte com uma antiga colega de escola, mas a química entre Timothée Chalamet e a fraquíssima Selena Gomez inexiste, o que prejudica este segmento do filme. No fim tudo parece pretexto para um passeio de charrete pelo Central Park, uma ida ao museu, uma melodia de Irving Berlin. A fotografia de Vittorio Storaro está lá para nos lembrar que, enquanto deixarem Allen filmar, ainda será permitido sonhar.

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