Críticas


MARIA ANTONIETA

De: SOFIA COPPOLA
Com: KIRSTEN DUNST, JASON SCHWARTZMAN, JUDY DAVIS
20.03.2007
Por Marcelo Janot
O FASCINANTE MUNDO DE SOFIA

É de tirar o sono ler críticas em que Maria Antonieta é definido como “entediante”, “sonolento” ou “vazio”. Nem se discute a leviandade no uso infundado de termos subjetivos como “entediante” ou “sonolento”, já que pressupõe que o crítico pode ter assistido ao filme após uma noite mal-dormida (por isso achou “sonolento”) ou cheio de pressa pra algum compromisso posterior (por isso achou “entediante”). Quanto à classificação de “vazio”, se há alguma coisa que jamais poderia ser dita do filme de Sofia Coppola é que ele é “vazio”.



Não é do meu feitio nem do meu agrado escrever na primeira pessoa e comentar o trabalho alheio, mas Maria Antonieta me parece um caso singular em que o filme foi massacrado não pelo que ele é em si, mas por conta do que os críticos julgaram que ele deveria ser, revelando um misto de pré-conceito, implicância e sobretudo má vontade para tentar situá-lo como, se não uma obra encantadora como Encontros e Desencontros, um filme autoral, ousado, inteligente e coerente com as opções estéticas e filosóficas de sua realizadora.



Em sua curta obra, Sofia Coppola vem se dedicando a se debruçar sobre o aprisionamento da alma feminina, aproximando universos tão distantes quanto o pacato subúrbio de Michigan dos anos 70 (As Virgens Suicidas), a caótica Tóquio dos dias atuais (Encontros e Desencontros) e a corte francesa do século 18 (Maria Antonieta). Nos três filmes há pelo menos alguma cena em que as jovens protagonistas estão contemplando a liberdade através de uma janela, sonhando com uma vida diferente da que levam.



São filmes em que a comunicação se dá muito mais através do olhar e do gesto, deixando o diálogo em segundo plano. Se em Encontros e Desencontros a frieza do hotel, com seus amplos corredores e bares cinzentos, era o ponto de convergência para a solidão interna dos personagens, o mesmo pode ser dito dos longos corredores do Palácio de Versalhes em Maria Antonieta. Pela primeira vez na história o interior do Palácio foi cedido como locação cinematográfica, e Sofia soube muito bem como tirar proveito disso: a câmera passeia por todo aquele luxo e extravagância como um turista bestificado, que por vezes pára, imobilizado, a contemplar o cenário.



Um filme histórico convencional “enquadraria” os personagens em tal ambiência. Sofia opta por deslocá-los - na música, no comportamento, no visual (o galã Fersen tem o mesmo corte de cabelo de Adam Ant, cantor pop dos anos 80). A ousadia de estabelecer uma ponte entre a pompa e o pop através da música não é nada gratuita: o hedonismo do repertório pós-punk do início dos anos 80, de grupos como Bow Wow Wow (I Want Candy) ilustra de forma criativa o comportamento de uma menina forçada a assumir tamanha responsabilidade em meio às tentações juvenis da luxúria. A título de curiosidade, a capa de um dos discos do Bow Wow Wow era uma recriação da célebre pintura Le Déjeuner Sur L’Herbe, de Edouard Manet, que causou escândalo na França em 1863, por mostrar uma mulher nua fazendo um piquenique com dois homens. Tudo a ver.



Embora não seja narrado na primeira pessoa, Maria Antonieta flui como o diário de uma adolescente descobrindo a vida. Em vários aspectos, as angústias e expectativas da jovem rainha não diferem em nada do que sentem as adolescentes de hoje. O fascínio exercido pelo encontro com um bonitão numa festa, por exemplo, tem mais importância do que a Revolução Francesa se desenhando. Tal opção pode causar irritação aos críticos ranzinzas, mas permite que Sofia se livre das amarras históricas e possa experimentar mais esteticamente. Todo o efervescente contexto político e social da época é visto a partir daquele universo particular que cercava Maria Antonieta, e isso só contribui para tornar o filme ainda mais original e envolvente. É possível até mesmo estabelecer um paralelo entre Maria Antonieta e a Elizabeth II de A Rainha, de Stephen Frears - ambas retratadas como monarcas desconectadas dos anseios e da realidade do povo.



Maria Antonieta pode não ser a lição definitiva sobre a Revolução Francesa para se exibir em salas de aula, mas funcionará bem como complemento ao sisudo Danton, O Processo da Revolução, de Andrzej Wajda. E serve para inserir de vez o nome de Sofia Coppola entre os novos autores do cinema moderno.



# MARIA ANTONIETA (MARIE ANTOINETTE)

JAPÃO/FRANÇA/EUA, 2006

Direção e Roteiro: SOFIA COPPOLA

Produção: SOFIA COPPOLA E ROSS KATZ

Fotografia: LANCE ACORD

Edição: SARAH FLACK

Música: BOW WOW WOW, THE CURE, NEW ORDER, STROKES, GANG OF FOUR, AIR, ETC.

Elenco: KIRSTEN DUNST, JASON SCHWARTZMAN, JUDY DAVIS, MARIANE FAITHFULL, RIP TORN, ASIA ARGENTO, JAMIE DORNAN

Duração: 123 min.

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