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PECADOS DE MICHAEL MOORE

26.03.2007
Por Carlos Alberto Mattos
PECADOS DE MICHAEL MOORE

Michael Moore é um pecador inveterado. Manipulou dados e cronologias para ferir governantes e corporações, abandonou amigos e antigos aliados, abusou das pessoas que aparecem em seus filmes. Mas nada disso seria motivo de indignação se ele não houvesse cometido o maior de todos os pecados: tirou o documentário do gueto inofensivo da TV pública para agenciá-lo a causas políticas, transformando-se ele próprio em ícone pop dos liberais.



Resultado: pendurada em seu corpanzil, formou-se uma pequena indústria do “ataque a Michael Moore”, composta de filmes, livros e websites. O título mais bem-sucedido até agora (a ponto de chegar ao É Tudo Verdade) é este Manufacturing Dissent: Michael Moore and the Media.



O filme começa como um perfil equilibrado do realizador. A edição dá a entender que o casal canadense Debbie Melnyk-Rick Caine, diretores do filme, ao longo do processo de filmagem foram tomando consciência de quem era de fato o seu personagem: um jornalista manipulador que se recusa a dar entrevistas a outros jornalistas independentes. Melnyk e Caine aparecem cercando Moore na entrada de eventos e comícios, como se estivessem usando os mesmos métodos do autor de Tiros em Columbine. À diferença de Moore, entretanto, eles não estão usando esse tipo de assédio como uma metáfora da opacidade das corporações, mas apenas esgrimindo perguntas sobre imposto de renda contra um homem empenhado em derrubar o governo Bush. Melnyk e Caine aplicam o método, mas com objetivo mesquinho.



O pretexto da “decepção com MM”, típica do discurso conservador, tampouco se mostra válido, já que o filme foi montado no final do processo. No mínimo, a montagem orientou-se pelo ressentimento de quem não foi atendido. Mesmo aí, cabe questionar: qual o interesse hoje de um doc “objetivo” sobre Michael Moore? O esquema de filmar a impossibilidade de filmá-lo parece muito mais produtivo. Assim como Melnyk e Caine reproduzem a acusação de que MM na verdade entrevistou Roger Smith, chairman da GM, mas construiu Roger & Me como se não tivesse conseguido, posso imaginar a satisfação deles ao serem expulsos de um comício pelos seguranças e a própria irmã de Moore como indesejáveis representantes de uma TV comercial admitidos com cartões falsos. “Que grande cena para nosso filme”, quase posso ouvir.



O ressentimento, senão o propósito fundamental de “desmascarar”, talvez explique por que há sempre um desmentido em seguida a uma referência positiva ao trabalho de MM. Melnyk e Caine foram aplicados ao procurar críticos sempre prontos a chamar MM de hipócrita e documentaristas como Albert Maysles e Errol Morris, habituais questionadores de seus métodos. Por outro lado, a “denúncia” de que Moore se transformou numa celebridade me lembra aquelas velhas argumentações contra comunistas que bebiam uísque.



Fabricando Polêmica é doc oportunista e de segunda mão já a partir do título original, calcado em Manufacturing Consent: Noam Chomsky and the Media. Ali, o célebre político e lingüista dissidente descrevia um mundo em que a opinião pública era manipulada por um pacto de consenso dos meios de comunicação. Aqui, Melnyk e Caine abrem espaço para criticar a polêmica. Embora não se alinhe nos ataques frontais da direita, seu filme serve aos argumentos conservadores e se mostra, aqui e ali, tão manipulador quanto acusa seu objeto de ser. A seleção de imagens de MM o faz parecer, nas últimas cenas, um sátiro para quem os fins justificam os meios. Uma frase brincalhona numa conferência (“Eu não gosto de documentários”) é retirada de contexto para jogar Michael Moore contra a classe. Ao agir assim, quando nada, Fabricando Polêmica também deixa de ser um doc para ser mera peça de propaganda. Nesse caso, cabe verificar as causas que estão por trás de cada peça.





Fabricando Polêmica será exibido no CCBB-Rio, na quarta-feira, dia 28, às 18 horas.



Leia mais resenhas do É Tudo Verdade no DocBlog.





FABRICANDO POLÊMICA (MANUFACTURING DISSENT: MICHAEL MOORE AND THE MEDIA)

Canadá, 2006

Direção, produção e roteiro: DEBBIE MELNYK, RICK CAINE

Fotografia: RICK CAINE

Montagem: ROB RUZIC, BILL TOWGOOD

Som: DEBBIE MELNYK

Música: MICHAEL WHITE

Duração: 96 minutos

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