Críticas


PROIBIDO PROIBIR

De: JORGE DURÁN
Com: CAIO BLAT, MARIA FLOR, ALEXANDRE RODRIGUES
27.04.2007
Por Luiz Fernando Gallego
RIO, ZONA NORTE 2007: UM MIRANTE EM RUÍNAS

Uma cena de Proibido Proibir se passa em volta do que restou do antigo “Monumento Rodoviário” que fica na estrada que desce a Serra das Araras, faltando pouco para quem está chegando ao Rio de Janeiro, vindo de São Paulo. É um dos trechos mais deslumbrantes da Serra do Mar. Muitos anos atrás, este lugar era quase que uma parada obrigatória, tal a vista magnífica que se tinha a partir do mirante. A construção também tinha o seu charme: talvez já antecipasse o belo Museu de Arte Contemporânea que Niemeyer desenhou para Niterói, lembrando o formato do que se imagina como um disco voador pousado sobre uma elevação.

Os cinéfilos que freqüentaram uma recente mostra carioca de filmes talvez lembrem da propaganda de um dos patrocinadores do festival que exibia o monumento em contra-luz: víamos apenas sua silhueta tendo um crepúsculo “de cinema” ao fundo. Mas neste filme de Jorge Durán, realizado duas décadas depois de A Cor do seu Destino, o que se vê em plena claridade é o estado real em que o monumento se encontra há bastante tempo: um esqueleto de construção, o que ainda resiste de uma estrutura pichada, abandonada, em ruínas.

Em outra cena de Proibido Proibir, a personagem Letícia (Maria Flor), uma estudante de Arquitetura, mostra no computador algumas fotos de casarões antigos do Rio de Janeiro. Ela lamenta o abandono em que estão e comenta que a cidade é “maravilhosa” por sua natureza (ou o que ainda resta da natureza, acrescentaríamos), mas a parte urbana propriamente dita, exemplificada através de vários prédios de valor histórico e arquitetônico, encontram-se maltratados, caindo aos pedaços, sem conservação, em ruínas.

É das ruínas do Rio de Janeiro atual que trata Proibido Proibir: ruínas físicas que expressam um projeto civilizatório igualmente arruinado e que parece estar agonizando antes mesmo de ter se concretizado. A ação se desenrola inteiramente na Zona Norte da cidade: na Penha, em um “mar de favelas” (sic ‘Letícia’), em casarios de subúrbios cortados pelas linhas de trem ou na Cidade Universitária da Ilha do Fundão. O Rio da Zona Sul - ou mesmo do Centro - é visto sempre de longe com a fantástica silhueta dos morros que descem para o mar, fotografados em ângulos conhecidos e outros bem menos habituais, todos maravilhosos. Vistos de longe.

No início do filme, alguns diálogos menos felizes despertam o temor de que vá haver uma ode às casas simples que tinham cadeiras nas calçadas – mas que hoje estão apinhadas de camelôs em subemprego (um gancho acessório da trama ficcional). Mas o filme não se perde em pieguices do tipo “como era bom meu subúrbio”. As construções em ruínas que o filme mostra aqui e ali, assim como as ruas insalubres das favelas, funcionam como uma metáfora das ruínas governamentais, como uma demonstração da falência do poder público e da pujança dos “poderes paralelos” da bandidagem - inclusive aquela mal disfarçada dentro de fardas oficiais de policiais em concubinato com a transgressão da Lei. Na verdade, o dito “poder paralelo” passou a ser o verdadeiro poder “oficial”, já que o que assim se denominava mergulhou na aporia, impotente de recolher a serpente ao ovo, agora já muito crescida, poderosa e com tantas cabeças que fariam inveja à Hidra de Lerna.

Proibido Proibir chega às telas como uma versão revista e agravada - ampliada e atualizada - dos antigos projetos de Nelson Pereira dos Santos: aborda de forma contundente um Rio de Janeiro bem acima dos quarenta graus do antigo título do longa de 1955 de Nelson: talvez até mesmo o filme pudesse se chamar Rio, 90 Graus – graus centígrados, hipérbole de um aquecimento do caos social que destrói qualquer urbanidade, que traz uma febre onde a civilidade derrete, ferve e se dissolve sem deixar rastro de humanidade. Por outro lado, se pensarmos em “noventa graus” da geometria, as linhas perpendiculares usadas para representar o ângulo reto apontariam para a dupla vertente do filme: ficcional e documental, sendo que na primeira há alguns pontos menos satisfatórios em algumas cenas e falas iniciais; e até mesmo na construção do personagem Paulo (Caio Blat).

A tentativa de retratar uma porção da juventude universitária atual é um risco que o filme corre, sendo que nas primeiras cenas não consegue toda a naturalidade e o realismo pretendidos. Mas, logo adiante, o desenvolvimento do roteiro supera tais questões e os atores atingem ótimo rendimento, com destaque para Alexandre Rodrigues (Leon) e Edyr Duqui (Rosalina). Participações secundárias também primam pela espontaneidade, sendo que os favelados que aparecem sendo entrevistados pela pesquisa de Leon e Rita, estudantes de sociologia, parecem verdadeiros moradores das favelas mostradas.

O filme também atrai pelos enquadramentos elegantes mas que não se sobrepõem como um fim em si mesmo, havendo ainda excelente trabalho de uso das cores, incluindo até mesmo as tonalidades das roupas usadas nas cenas finais. A trilha musical é adequada e colabora com a emoção que a narrativa consegue atingir.

Ao lado de Quase Dois Irmãos, de Lucia Murat, e de outros produtos nacionais recentes, este filme consegue falar com propriedade da tragédia de uma cidade inteira arruinada e desalentada. Vista de longe, da zona norte, por exemplo, encontram-se ângulos de beleza natural capazes de estarrecer. Mas até os belvederes e mirantes podem ser perigosos ou estar em ruínas. O que se vê é a ruína moral e social de uma cidade (ou do país) em um filme cujos equívocos eventuais são logo suplantados por suas muitas qualidades.



# PROIBIDO PROIBIR

Brasil/Chile, 2006

Direção: JORGE DURÁN

Roteiro: JORGE DURÁN, DANI PATARRA, GUSTAVO BOHRER

Fotografia:LUÍS ABRAMO

Montagem:PEDRO DURÁN

Elenco:CAIO BLAT, MARIA FLOR, ALEXANDRE RODRIGUES, EDYR DUQUI, ADRIANO DE JESUS, LUCIANO VIDIGAL, RAQUEL PEDRAS

Duração: 100 minutos

Site oficial:www.proibidoproibir.com

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