Críticas


FIM DO SEM FIM, O

De: LUCAS BAMBOZZI, CAO GUIMARÃES, BETO MAGALHÃES
10.08.2007
Por Carlos Alberto Mattos
À MARGEM DO TEMPO

Gravado em 1999, sob inspiração da virada do milênio, O Fim do sem Fim carrega vários traços que caracterizam um certo documentário brasileiro contemporâneo. O primeiro deles é um ponto de partida antropológico.



Os mineiros Lucas Bambozzi, Beto Magalhães e Cao Guimarães procuraram, em 10 estados, representantes de profissões supostamente em vias de desaparecimento (embora eu ache que as parteiras e os relojoeiros, apenas para citar dois, jamais se extinguirão no Brasil). Na verdade, ofícios como o de sineiro, ascensorista, faroleiro e escrivão de cartório estão ali mais como signos de um mundo “antigo”, não mais identificados com o novo milênio e sua carga simbólica. Não morrem eles exatamente, mas sua época. Já ocupações como o benshi (explicador de filmes mudos no Japão), o “maestro de galo”, o profeta e o escritor visionário justificam-se num certo gosto pelo exótico, que o filme não consegue – ou não procura mesmo – dissimular.



Nesse trânsito entre um e outro personagem, O Fim do sem Fim vai se construindo como um “documentário de rede”, termo que gosto de usar para definir o doc que não se fixa em um personagem ou num grupo, mas na conexão entre pessoas distantes. Daí que, embora alguns personagens mais carismáticos se destaquem por si, o que de fato importa é o traço comum, um certo sentimento que os une num grupo virtual – no caso, o dos profissionais defasados. Mais que os indivíduos, importa a rede.



De comum entre todos eles, o fantasma da inutilidade. O advento de novas tecnologias vai excluindo da paisagem os fotógrafos lambe-lambe, os lanterninhas e as costureiras. Mas Beto, Cao e Lucas não querem apenas constatar esse fenômeno. Parecem querer mostrar que, ao se tornarem desnecessários, esses trabalhadores vão passando do dia-a-dia para a poesia. É então que o filme se afasta de sua premissa antropológica.



Cada personagem aparece em dois tratamentos intimamente combinados pela edição. As entrevistas foram feitas em vídeo digital, enquanto suas ações e movimentos eram registrados em película 16mm. A isso somam-se vinhetas líricas filmadas em Super 8, imagens de fuga para um universo mais abstrato e menos referencial. O que vemos na tela, portanto, é um amálgama de informações cruas, observações de ângulos inesperados e construções audiovisuais evocativas de um mundo mais sagrado e transcendente, que está à margem do tempo e das mudanças.



O Super 8 é uma bitola em extinção que foi recuperada pelos videoartistas e agora invade o doc brasileiro mais identificado com a elaboração plástica. Aqui, o uso dessa imagem de baixa definição ajuda a representar o mundo velho que insiste em sobreviver no Brasil profundo. Assim, O Fim do sem Fim insere-se também na linhagem do doc de invenção, aquele que se vale da experimentação dos meios audiovisuais para expressar seu tema. Além de ser um filme “sobre” o fim de um tempo, é um filme “de” fim de um tempo.



Não deixa de ser curioso vê-lo aportar nos cinemas sete anos depois de uma primeira versão (média) chegar à TV e a mostras no Brasil e no mundo. Dos projetos com a participação de Cao Guimarães, este talvez seja o mais próximo do padrão de documentário de entrevistas, embora subvertido pela “voz” poética dos diretores. Aliás, parte importante da originalidade do filme vem da trilha do profícuo grupo O Grivo, espírito sonoro do novo doc experimental e da dança mineiros.



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O FIM DO SEM FIM

Brasil, 2000

Direção e edição:
LUCAS BAMBOZZI, CAO GUIMARÃES, BETO MAGALHÃES

Produção: VANIA CATANI

Roteiro: LUCAS BAMBOZZI, CAO GUIMARÃES

Fotografia 16mm: CAO GUIMARÃES

Fotografia Super 8: LUCAS BAMBOZZI, CAO GUIMARÃES

Fotografia DV: LUCAS BAMBOZZI, BETO MAGALHÃES

Som: MARCOS MOREIRA MARCOS

Trilha sonora: O GRIVO

Duração: 92 minutos

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