Trinta anos atrás o movimento feminista foi vitaminado pelo bestseller psico-científico O Relatório Hite, uma franca pesquisa de campo sobre sexualidade feminina. Se fosse hoje, Shere Hite provavelmente faria também um documentário – ou teria seu livro transformado em um. Laura Becker (Julia Lemmertz), a protagonista de Mulheres Sexo Verdades Mentiras, é uma espécie de versão GNT de Shere Hite.
Ser documentarista hoje em dia virou profissão de charme. O personagem está em novelas e filmes. Laura explica, logo no início, que não quer fazer um doc jornalístico, mas “uma coisa mais pessoal, uma busca, uma necessidade minha”. Documentário como aprendizado de relacionar-se com o mundo e consigo mesma. Ela está recém-separada do marido, arranjou um super-amante e precisa compreender como se lida com uma tsunami de libido. Contrata um cinegrafista (Fernando Alves Pinto) e sai em campo para entrevistar amigas e desconhecidas.
Os temas vão se sucedendo como num programa temático de TV: infidelidades, fantasias, sexo solitário, orgasmo, sexo oral, exibicionismo, artefatos sexuais, suíngue, sexo na terceira idade e por aí afora – ou adentro, se preferir. Além de gravar seus próprios depoimentos (a “coisa pessoal”), Laura entrevista mulheres anônimas, “amigas” ficcionais interpretadas por atrizes, e ainda atrizes menos conhecidas interpretando anônimas. Nesse sentido, o filme parece uma versão picaresca de Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, filmado mais ou menos no mesmo período. A mescla de registros, porém, não serve aqui a uma reflexão sobre a representação no documentário e a verdade na ficção, mas a um mero embaralhamento com o intuito de divertir e soar “ousado”.
As conversas de Laura com suas amigas ou da filha (Branca Messina) com as suas lembram o formato do programa Saia Justa. Das entrevistas, poucas escapam à ligeireza do telejornalismo ou ao tom fake dos depoimentos encenados de anúncio de margarina. É claro que, com boas atrizes e texto esperto, não faltam insights espirituosos, sobretudo para quem ainda se surpreende com mulheres falando “xoxota” e “pirocada” na televisão, digo, no cinema.
Em seu filme de estréia para a tela grande, Euclydes Marinho, experimentado autor de TV, usa um modelo de produção assemelhado ao BOAA (baixo orçamento e alto astral) de Domingos Oliveira – muito papo e pouca ação, muito apartamento de amigo e pouco dinheiro. Até aí, dá para relevar o aspecto de sitcom. O filme só vacila mesmo porque parece contar com o fetiche do documentário para suprir carências de uma dramaturgia ficcional ligeira demais.
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MULHERES SEXO VERDADES MENTIRAS
Brasil, 2007
Direção: EUCLYDES MARINHO
Roteiro: EUCLYDES MARINHO, RAFAEL DRAGAUD
Elenco: JULIA LEMMERTZ, BRANCA MESSINA, FERNANDO ALVES PINTO, FERNANDO EIRAS
Duração: 78 minutos