Críticas


SICKO – S.O.S. SAÚDE

De: MICHAEL MOORE
07.03.2008
Por Carlos Alberto Mattos
COM O DEDO NA FERIDA

A essa altura, você já leu quase tudo sobre Sicko. Já sabe que Michael Moore recebeu dezenas de milhares de relatos sobre os absurdos do sistema de saúde estadunidense, dos quais selecionou alguns escabrosos para o filme. Sabe que ele compara o sistema dos EUA com os de outros países onde o atendimento é estatizado e beneficia a todos. Sabe, principalmente, que ele levou a Cuba bombeiros e voluntários dos resgates de 11 de setembro para receberem na “ilha do diabo” o tratamento que lhes era negado no país onde são tidos como heróis. Você sabe, claro, que Moore foi ameaçado de traição pelo governo Bush e que Sicko, com cerca de 25 milhões de espectadores, já é o terceiro maior sucesso de doc nos EUA desde 1982, quando começou esta apuração.



O que talvez você não saiba é que S.O.S. Saúde tem algumas das melhores cenas já concebidas pelo diretor. Numa delas, com seus convidados num pequeno barco diante da prisão de Guantánamo, ele usa um megafone para pedir acolhida em território legalmente americano. E tem algumas das mais apelativas e baratas, como a sentimentalização de vítimas com música de fundo e imagens de felicidade-familiar-perdida. Talvez não saiba tampouco que o irônico e feroz anti-republicano também ataca uma democrata de escol como Hillary Clinton.



O filme tem material para quem gosta e para quem não gosta de Michael Moore. Os primeiros vão vibrar com as idéias bem articuladas e as picadas de humor ferino do diretor-narrador. A habilidade em inverter sinais, transformando propaganda em contrapropaganda, é um dos seus trunfos inegáveis. Seguindo um raciocínio cinematográfico exemplar, ele utiliza tanto materiais de arquivo soviético e dos EUA, como a defesa oficial dos métodos de Guantánamo para fazer uma crítica devastadora ao medo da medicina socializada nos EUA. O contraste permanente entre a individualidade dos cidadãos mal assistidos e a fachada impessoal dos prédios das seguradoras também funciona como arma poderosa nas mãos de Moore.



Os seus detratores dirão, certamente, que ele idealizou os sistemas de saúde canadense, inglês, francês e cubano, embora seja difícil provar. Alegarão que ele só vai na certa, entrevistando pessoas prontas a dizer o que ele precisa ouvir. Apontarão falso sentimentalismo na abordagem de vítimas e parentes. Alguns, de visão mais atenta, acusarão Moore de quase esconder, em seu ranking de sistemas de saúde, que se os EUA ocupam o 37º lugar, Cuba aparece ainda pior, em 39º.



Como eu me enquadro entre os apreciadores de dois parágrafos acima, vejo S.O.S. Saúde como mais uma peça de ativismo do que como um doc regido pelo equilíbrio e a imparcialidade. Se os EUA, com os recursos que têm, usassem o sistema cubano, estaria em 1º lugar! Moore está em pleno combate contra o lucro que nasce da ferida alheia. E para combater o cinismo de uma administração que favorece esse sistema enquanto discursa o contrário, só mesmo petardos desse calibre podem levantar alguma poeira.



A briga de Moore é mais ampla do que parece numa visão superficial de Sicko. Aqui e ali, ele fustiga o conformismo com que o cidadão médio de seu país tenta manter o status quo individual. Vai a um Corpo de Bombeiros em Cuba para extrair uma lição de solidariedade, uma noção de coletividade que pode reinar para além das diferenças de classe e de opção política.



Muita coisa soa utópica, outras tantas soam artificiais porque preparadas para se encaixar na engrenagem dos argumentos em pauta. Mas quanto de utópico e artificial não compreendemos – ou mesmo perdoamos – em documentários supostamente mais éticos e desinteressados?



Visite o DocBlog do crítico.



SICKO - S.O.S. SAÚDE (SICKO)

EUA, 2007

Direção e roteiro:
MICHAEL MOORE

Edição: GEOFFREY RICHMAN, CHRISTOPHER SEWARD, DAN SWIETLIK

Música: ERIN O´HARA

Duração: 113 minutos

Site oficial: clique aqui



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