O encontro tenso, o envolvimento gradual, a aproximação efetiva entre pessoas que têm nas diferenças de geração e formação cultural (ou social, de identidade patriótica, etc, etc), grande disparidade, servem como tipo de trama às mais diferentes expressões de arte, mas têm no cinema um manancial de zilhares de realizações ao longo das décadas. A tônica dessa maneira de construir uma obra pode ser válida quando analisada num enfoque conteudístico, por apostar na tolerância e na comunhão conciliatória. Mas isto à parte, não pode ser utilizado como desculpa para que esta mensagem seja construída com artificialidade, pieguice e execução artística inferior.
Segundo filme de uma jovem diretora chinesa, Eu e Você traz duas figuras femininas, intensa delicadeza na relação entre elas, em dramaturgia enxuta, pequena em panorama, maior como dado de construção de uma ciranda de sentimentos, de um tipo de troca; e é de uma precisão, de uma essencialidade, cativantes. Difícil ver - mas esta é uma questão de eterna polêmica - o que de feminino em termos intrínsecos, naquilo que nos é mostrado, melhor demonstrado. Porém, não há dúvida de que o sucinto na armação da trama (uma jovem estudante aluga um quarto pequeno e frio de uma excêntrica viúva idosa, que acha que coisas como telefone são um luxo), tem uma exposição de jogo cênico de alta eficiência.
Basicamente só há os quartos da propriedade e o pátio da mesma para exibir as discussões e a paulatina maneira como vão interagindo uma com a outra, para além do rancor e da mesquinharia. Inegável, a forma narrativa tanto escapa de um teor contemplativo, lento, podemos dizer oriental (segundo um certo senso comum do que seria isso), desse aproximar, quanto não busca afetações de vibração, ou esteticismo exagerado – somente no começo do terceiro quarto a gente sente que tem um ou outro plano assinalado demais, idem um movimento de câmera, o que não seria necessário. O primeiro grande confronto entre as duas acontece quando a menina descobre que a senhora cortou a linha telefônica paga e instalada pela jovem, em atitude de pura ranhetice. Sucedem-se uma série de planos muito bem construídos que terminam num enquadramento feio (pela disposição pouco equilibrada das duas, à direita no alto do quadro), perfeita em significado. Vários momentos como este se desenrolam, um deles de muita ternura quando a garota chega com ursinho de pelúcia dado por um namorado, toda embevecida com o gesto, e a senhora a olha e fala com ela com um misto simultâneo de leve ressentimento, inveja, com satisfação de ver alguém vivendo algo que ela já deve ter vivido. Exemplar também a costura da estações temporais, que aparecem em letreiros ao longo da trama, sem ênfase excessiva e obviedade na mudança do status quo imagético (uma determinada luz, direção de arte, para marcar muito que agora é Primavera, agora é Inverno, etc). Os derradeiros minutos são a comprovação da força do todo, podiam resvalar no sentimentalismo, falhar como conclusão e estragar o resto. Na sobriedade das trocas de olhares, no silêncio que tanto diz, na desolação da paisagem urbana, pela descoberta, na visita dolorida, temos o fecho ideal. Não se trata de nenhuma obra-prima, mas de cinema em que a especificidade do olhar fílmico suplanta a casca da historinha, com categoria.
# EU E VOCÊ (WO MEN LIA)
China, 2005
Direção e roteiro: MA LIWEN
Elenco: JIN YAQUIN, GONG ZHE
Duração: 85 minutos