Uma das mais famosas cenas da ópera de Mozart, Don Giovanni, mostra o seu valete, Leporello, lendo (cantando) - para uma seduzida e abandonada ex-favorita de Don Juan - a interminável lista de mulheres que o patrão teria seduzido na Alemanha, França, Itália, Turquia e em tantos outros países. Só na Espanha, já contava mil e três!
O personagem central de Amor nos Tempos do Cólera, Florentino Ariza, havia prometido esperar em castidade por sua amada Fermina, de quem havia sido afastado. Mas depois de ter sido praticamente “estuprado” por mulher desconhecida durante uma viagem fluvial, não resistiu mais às delícias do sexo e, sem ter um criado para registrar seus feitos, ele mesmo passou a anotar anota suas aventuras. Lá pelo final do filme, o placar está em 622 mulheres por ele conquistadas. O amor, entretanto, ele reserva para Fermina, torcendo para que, no final do século XIX e início do século passado, o marido dela venha a morrer antes do que eles, para que possa unir sua vida sexual à paixão amorosa.
O romance homônimo de Gabriel García Márquez prima pela narrativa fluente de um enredo, a rigor, simples, que vai sendo preenchido pelos “causos” do – digamos - herói com os diversos tipos femininos que passam pela sua vida - enquanto ele se mantém, afetivamente, fiel à sua eleita. A transposição para a tela do livro se mantém igualmente fiel à enorme seqüência de mulheres que o protagonista seduz, mas, apesar dos cuidados de produção caprichada e de reunir vários talentos, o filme acaba deixando a impressão de um catálogo amoroso cujas páginas são folheadas pelo espectador sem maior empolgação.
Pode-se não resistir à curiosidade de conferir o trabalho de fotografia do brasileiro Affonso Beato que colborou com Glauber Rocha nos anos 1970 (O Dragão da Maldade) e tem feito carreira internacional em filmes de Almodóvar (Carne Trêmula, Tudo sobre Minha Mãe) e de Stepehen Frears (A Rainha) em mais uma colaboração valiosa. Ou do compositor, também brasileiro, Antonio Pinto (Central do Brasil), cuja trilha para o recente Estranha Perfeita era a única coisa que prestava naquele lamentável "suspense"(?).
No elenco, Javier Barden está bem como Florentino, um personagem sem muitas nuances. Giovanna Mezzogiorno tem mais chances - além de estar muito bonita. E outro talento nacional, Fernanda Montenegro, mostra o que pode, valorizando com seriedade, profissionalismo e empatia uma personagem com poucas cenas na tela. Pena que a direção muito morna de Mike Newell deixe a impressão de que, mais do que uma história sobre a fidelidade amorosa à distância e ao longo de décadas, o filme se assemelhe a uma agenda donjuanesca bem tediosa, com conquistas que se sucedem sem grandes particularidades episódicas nem maior interesse.
# O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA (LOVE IN THE TIME OF CHOLERA)
Estados Unidos, 2007
Direção: MIKE NEWELL
Roteiro: RONALD HARWOOD
Fotografia: AFFONSO BEATO
Montagem: MICK AUDSLEY
Música: ANTONIO PINTO
Elenco: JAVIER BARDEN, GIOVANNA MEZZOGIORNO, BENJAMIN BRATT, FERNANDA MONTENEGRO.
Site oficial: www.myspace.com/litc_film
