Críticas


PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO

De: ERROL MORRIS
02.11.2008
Por Carlos Alberto Mattos
A TORTURA SOB A LUPA DA METAINFORMAÇÃO

Brent Pack, ex-agente especial de investigações criminais do Exército dos EUA, foi o homem destacado para analisar as tristemente célebres fotos da prisão de Abu Ghraib. Em dado momento de Procedimento Operacional Padrão, ele explica como chegou a certas conclusões através da análise do tipo de câmera utilizado, dos horários em que cada foto foi clicada, dos intervalos entre elas e da forma como um fotógrafo eventualmente aparece na foto do outro. Esse tipo de metainformação (em inglês, metadata) é que permite montar uma narrativa, uma história seqüenciada, a partir de imagens isoladas e a princípio desordenadas.



O filme de Errol Morris segue metodologia bastante semelhante. Além de usar as conclusões de Brent Pack, agrega às fotos uma série de elementos capazes de refazer a tênue linha que conta uma história maior. Morris compreendeu que aquelas imagens de presos iraquianos despidos, encapuzados, empilhados em pirâmides e submetidos a poses ofensivas ficariam como um registro in extremis da operação para derrubar Saddam Hussein. Não porque fossem os fatos mais graves da guerra, nem mesmo de Abu Ghraib (as sessões de tortura, algumas com morte, diz o sargento Javal Davis, não eram fotografadas), mas porque saltaram como evidências incontornáveis e se afixaram na memória coletiva universal.



E que histórias contavam essas fotos para além das imagens isoladas e desordenadas? Histórias de dominação sado-masoquista, de encenações produzidas no embalo de uma paixão (da franzina Lynndie England pelo sargento Charles Graner), de fotografias reenquadradas no computador. Histórias de uma cadeia de ordens superiores que na prática abria espaço para todo tipo de tortura psicológica e moral que “amaciasse” os prisioneiros para os interrogatórios. Todas essas narrativas paralelas são remontadas no filme a partir de fotos dos soldados, contextualizadas pelos depoimentos e por trechos das cartas que a guarda Sabrina Harman escrevia a sua namorada relatando o que presenciava em Abu Ghraib.



Errol Morris exercita seu pendor para o dossiê aparentemente científico, como se quisesse trocar a análise política pelo exame entomológico de um vírus. Mesmo quando recorre a suas habituais vinhetas encenadas, o efeito não é de mera ilustração, mas de pontuação hiperrealista, incômoda mesmo, com sua explosividade e fulgurância fora do comum. Quem viu A Tênue Linha da Morte, Sob a Névoa da Guerra, Gates of Heaven e outros filmes do diretor, sabe que neles não há lugar para afetos, mas só para o exercício das funções intelectuais. A supressão do drama é que lhe permite descer a detalhes de torturas e comportamentos desviantes sem parecer obsceno, ao contrário do que chegaram a insinuar alguns críticos a respeito de Standard Operating Procedure. Como o especialista Brent Pack, Morris está interessado em separar o que seriam atos criminosos do que ficaria na zona de sombra do “Procedimento Operacional Padrão”. Separar, em termos. Porque ao mostrar que não existe uma diferença essencial e convincente entre essas duas instâncias, o filme sublinha, ao contrário, sua semelhança.



É quando o olhar frio de Lynndie England, por exemplo, aparece não como uma monstruosidade separada da paisagem ao redor. Aquilo é apenas a face exposta à execração pública de um procedimento operacional padrão que permanece oculto. Quando se dá ordem e sentido ao que parece isolado, é toda a história de uma guerra que se organiza perante nossos olhos.



Repito: perante nossos olhos. Errol Morris mais uma vez lança mão de seu Interrotrom, uma espécie de teleprompter que coloca ele e o entrevistado “face a face” através da lente da câmera. Como resultado, o entrevistado dirige-se à imagem de Morris, mas aparece falando diretamente para nós. O tom confessional se adensa e percebemos melhor todas as inflexões de sua expressão. Em alguns casos, essa lupa pode mostrar coisas aterradoras.





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PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO (STANDARD OPERATING PROCEDURE)

EUA, 2008

Direção e produção: ERROL MORRIS

Fotografia: ROBERT CHAPPELL, ROBERT RICHARDSON

Montagem: ANDY GRIEVE, STEVEN HATHAWAY, DAN MOONEY

Música: DANNY ELFMAN

Duração: 116 minutos

Site oficial: clique aqui

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