Críticas


PAN-CINEMA PERMANENTE

De: CARLOS NADER
Com: WALY SALOMÃO, ANTONIO CÍCERO, CAETANO VELOSO
15.11.2008
Por Carlos Alberto Mattos
WALY SALOMÃO EM CACOS BRILHANTES

Nem todo mundo tinha paciência para Waly Salomão (1943-2003). A performance incessante, a estridência verbal e o barroquismo da linguagem corporal faziam dele uma presença sempre notória e às vezes incômoda. Era, no mínimo, “excessivo”, como carinhosamente o chama o amicíssimo Caetano Veloso. Havia sempre a impressão de que era preciso “editar” Waly para torná-lo mais palatável.



Pronto! Isso foi feito por Carlos Nader em Pan-Cinema Permanente, vencedor da competição nacional do último É Tudo Verdade. Por 13 anos Nader foi seu amigo, além de parceiro em performances multimídia pelo mundo e no doc-viagem São Gabriel da Cachoeira - San Felipe, de 1998. Desde 1994, eles tinham esse projeto mais amplo de um filme sobre o encontro do poeta da palavra e do poeta da imagem. Uma complementariedade artística os unia, além da ascendência árabe e de um certo sentimento de estranhamento em relação à realidade.



Na maior parte do tempo em que conviveram, Nader apontava uma câmera para Waly. Assim foi em pequenos happenings dentro e fora de um museu de Colônia, Alemanha, ou na visita a familiares no interior da Síria. Dentro de casa ou em aeroportos e aviões, fascinado pelo mundo eletrônico, Salomão estava sempre atento à lente da câmera para fornecer conteúdo de alta amperagem. Mais que isso, ele apressava-se em instalar-se confortavelmente em sua segunda natureza, a artificialidade.



O próprio Nader confessa no doc que nunca conseguiu filmar Waly fora de seu incansável personagem, fosse recitando seus poemas ou improvisando raciocínios surpreendentes sobre o que estivesse ao redor. Por isso o filme é uma sucessão de “máscaras sobre máscaras”, um baú de fantasias. Da boca baiana rasgada de Waly, as palavras saltavam concretas como frutas prontas, pedras, cristais.



Além do seu próprio material, Nader incorpora trechos de filmes Super 8 realizados por Waly, cenas do Tropicalismo, pequenas vinhetas musicais de Caetano e Adriana Calcanhotto, e depoimentos (a maior parte em off), entre outros, de Antonio Cícero, Caetano e dos dois filhos do poeta-letrista-produtor-ator.



Essa “edição” a que Carlos Nader submete seu personagem, ao mesmo tempo que o “reduz” para melhor narrá-lo, também o “amplia” pela variedade de materiais e de situações em que ele aparece. Pan-Cinema Permanente (título de um poema que Waly dedicou a Nader) é um filme feito de cacos brilhantes que se justapõem através de lindas e sutis operações poéticas: um poema que pulsa no centro da tela; uma dança do ventre que inesperadamente liga o Líbano ao Vapor Barato salomônico; uma imagem de mar que parece estar ali somente para ratificar que “a vida é sonho, a vida é sonho, a vida é sonho...”



Eis um belíssimo exercício de documentário sobre alguém que fugiu a toda idéia de transparência, deixando visível somente a ficção de si próprio. Pode-se dizer que, ao embarcar nessa segunda natureza de Waly Salomão, o filme trocou a investigação pela celebração. E é isso mesmo. Pan-Cinema Permanente celebra, mais que tudo, uma grande amizade.



Visite o DocBlog do crítico.



PAN-CINEMA PERMANENTE

Brasil, 2008

Direção, roteiro, fotografia:
CARLOS NADER

Edição: CARLOS NADER, GUSTAVO GORDILHO

Música e edição de som: DANIEL ZIMMERMAN

Elenco: WALY SALOMÃO, ANTONIO CÍCERO, CAETANO VELOSO

Duração: 83 minutos

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