Críticas


VOCÊS, OS VIVOS

De: ROY ANDERSSON
Com: JESSIKA LUNDBERG, ELISABETH HELANDER, BJÖRN ENGLUND
02.06.2009
Por Maria Silvia Camargo
DESPERTANDO OS SENTIDOS

Um ótimo exercício para quem é publicitário – e o diretor Roy Andersson produz parte de seus filmes com o dinheiro que ganha em comerciais – é ficar entre as prateleiras de um supermercado observando os consumidores e seus hábitos. Vocês, os Vivos tem esta perspectiva, a do observador: é como se Andersson visse o mundo e os seres vivos à distância. O título endossa esta idéia. Ao dizer Vocês*¹ e não Nós ele se coloca no lugar de, no mínimo, um imortal. Pois este deus sueco de 66 anos, vencedor do Festival de Berlin com seu filme de estréia em 1970, nos deu com este filme, 57 opiniões sobre os seres humanos. E para ele nós somos trágicos, patéticos, engraçados, mas, sobretudo, profundamente frustrados.



Na contramão destes desencontros humanos,no entanto, está a sua direção e a fotografia de Gustav Danielsson. Vocês, os Vivos é feito de 57 planos-sequência extremamente bem elaborados, como os quadros de uma exposição impressionista. Todos têm a mesma paleta de cores – são tons pastéis meio esmaecidos – num filme de alta granulação. O efeito da iluminação com a maquiagem extremamente pálida dos atores torna tudo ainda mais onírico. O casting é fantástico e estes atores são ensaiados à exaustão: não há um único movimento fora de compasso. Os cenários - só um único quadro não foi filmado em estúdio – são todos longos, retangulares. Ou seja: no universo de Andersson os seres humanos estão insatisfeitos, mas vivem num mundo extremamente belo, preciso e flutuante. Com destaque especial para a história da adolescente e do roqueiro. Só esta já vale o ingresso.



A adolescente conseguiu pedir autógrafo ao seu ídolo, mas ele não lhe telefonou no dia seguinte como havia prometido. Tudo muito corriqueiro, se ela, mesmo decepcionada, não parasse em frente à câmera para contar um sonho: o do seu casamento com o amado. Ainda vestidos de noivos, eles vão morar numa casinha. Mas a casa se mexe (está sob trilhos, como um vagão de trem) e o que os espera a cada estação ...é puro deleite. Andersson contraria tudo o que nossas mentes amortecidas pelo cinema de grande bilheteria esperam de um personagem, uma história ou uma ida ao cinema. Quando, em outro quadro, o sujeito inventa um truque para animar uma entediante festa de família, o final é bem tragicômico. E a velha roqueira, que vive bebendo e choramingando que ninguém a compreende? Seu discurso pontua diversos momentos do filme a ponto de incomodar. Mas um detalhe faz a diferença. Depois de vociferar e xingar bastante, mandando todos embora, a personagem diz um quase inaudível: “talvez eu apareça lá depois”. O filme de Andersson – que ganhou cinco prêmios internacionais e três indicações, além de ter sido exibido em Cannes 2007 – também nos traz esta conclusão: we can´t get no satisfaction, mas continuaremos por aqui, tentando.



Apesar de ser comparado a Bergman e ao diretor inglês Terry Gilliam – ele tem a mesma independência do primeiro e o senso de absurdo do segundo – esteticamente ele é muito inusitado. E, ao contrário de Bergman, pode-se tranquilamente assistir a algumas partes deste seu filme sem o som. Mas suas viagens visuais são tão intensas que os cinco últimos minutos do filme cansam. E ao final, como num imenso Louvre, esta ode ao ser humano e suas peculiaridades parece não ter fim.

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*¹em várias línguas, exceto francês, o título se traduz por vocês.



# VOCÊS, OS VIVOS (Du Levande/ You, the Living)

Suécia, Alemanha, França, Dinamarca, Noruega, 2007

Direção e Roteiro: Roy Andersson

Fotografia: Gustav Danielsson

Elenco: Jessika Lundberg, Elisabeth Helander, Björn Englund, Leif Larsson, Olle Olson, Birgitta Persson, Kemal Sener, entre outros.

Trilha Sonora original: Benny Andersson

Edição:Anna Märta Waem

94min

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