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II FESTIVAL PAULÍNIA – OS PRIMEIROS DIAS

14.07.2009
Por Daniel Schenker
II FESTIVAL PAULÍNIA DE CINEMA – OS PRIMEIROS DIAS

II FESTIVAL PAULÍNIA DE CINEMA – OS PRIMEIROS DIAS

14.07.2009



O II Festival Paulínia de Cinema reúne em sua programação algumas das mais aguardadas produções brasileiras da nova safra. É difícil encontrar uma unidade entre os filmes apresentados, ainda que a qualidade dos trabalhos de direção de arte e figurinos e o apreciável rendimento dos atores despontem como elementos constantes.



Abertura



Para a abertura foi escolhido À Deriva , novo filme de Heitor Dhalia exibido na última edição do Festival de Cannes. Dhalia registra o rito de passagem atravessado por Filipa (Camilla Belle), que assiste ao desgaste do casamento dos pais, Mathias (Vincent Cassel) e Clarice (Débora Bloch, muito expressiva, em especial na carga de indignação presente nos momentos de silêncio), durante uma temporada de verão em Búzios. O cineasta registra com inegável habilidade a perda da inocência, das ilusões, de um mundo ideal, de algo que se quebra e nunca mais poderá ser restituído. A lembrança da intensidade dos primeiros anos justifica apenas em parte o padrão estético adotado por Dhalia (cores fortes, alternância de imagens focadas e desfocadas dentro de uma mesma sequência, características da fotografia de Ricardo Della Rosa), adepto à estilização, a exemplo de seu longa-metragem Nina . Cabe destacar a sutileza na reconstituição da passagem da década de 70 para a de 80 nos quesitos direção de arte (Guta Carvalho) e figurinos (Alexandre Herchcovitch) e em referências, como a do assassinato de Ângela Diniz por Doca Street, em Búzios, em 1976.



Primeiro dia



A competição foi aberta com Caro Francis e O Contador de Histórias . O primeiro, documentário assinado por Nelson Hoineff, assume sua proposta no título. Trata-se de uma homenagem a Paulo Francis feita por um amigo de longa data (Hoineff) e não de um filme que pretende fornecer um retrato “imparcial” do mito Francis. O diretor aborda marcos da trajetória de Paulo Francis por meio de tópicos: seu contrastante posicionamento político ao longo dos anos, o passional exercício da crítica teatral, a vida conjugal com Sonia Nolasco e a posição dela em relação ao apregoado Francis misógino, o vínculo umbilical com a gata Alzira, o agitado desligamento da Folha de São Paulo, a frustração por não conseguir se sobressair como escritor, as provocações lançadas no programa Manhattan Connection – entre elas, uma acusação contra diretores da Petrobras que acabou rendendo um processo – e a morte por ataque cardíaco, inicialmente diagnosticada como bursite. Nelson Hoineff contrasta depoimentos através da montagem, como os de Diogo Mainardi e Caio Túlio Costa – com o primeiro externando de modo bastante contundente sua indignação em relação ao segundo, ombudsman da Folha de São Paulo durante a fase que culminaria com o afastamento de Francis –, vale-se do acaso, como ao registrar o cachorro de Sergio Augusto dormindo de barriga para cima e roubando completamente a cena do entrevistado, e apresenta uma passagem que gerou certa polêmica durante o festival: aquela em que flagra Sonia Nolasco bastante emocionada, lendo uma carta na qual anuncia a morte próxima e inevitável da gata de estimação.



Já em O Contador de Histórias , o diretor Luiz Villaça traz à tona a história real de Roberto Carlos Ramos, menino levado pela mãe para viver na Febem, onde permanece até conhecer Marguerit (Maria de Medeiros, luminosa), uma pedagoga francesa em visita a Belo Horizonte no final dos anos 70. Através de Roberto, Villaça ressalta que a imaginação não só pode como tende a ser bem mais interessante que a realidade. Mas arrisca pouco na direção em nome da vontade de realizar um filme direto, que tende a produzir identificação passiva na plateia. Villaça poderia ter aproveitado mais o fato de Roberto ficcionalizar, por meio de fértil imaginação, seu passado. O recurso da narração em off é questionável porque surge apoiado na reiteração entre som e imagem, ainda que a opção se torne um pouco menos esquemática pelo fato de o próprio Roberto Carlos narrar sua história. Mas seria injusto não destacar o bom rendimento do elenco e os trabalhos de direção de arte (Valdy Lopes Jn) e figurino (Cássio Brasil).



Segundo dia



O segundo dia foi o menos satisfatório do festival. A noite começou com Mamonas, o Doc , no qual o cineasta Cláudio Kahns reconstitui a trajetória meteórica dos integrantes do grupo Mamonas Assassinas, desde o início, no começo da década de 90, quando surgiram como banda Utopia, em Guarulhos, até o trágico acidente aéreo que os vitimou, em março de 1996. Kahns aproveita imagens de arquivo e depoimentos de familiares, além dos de Rick Bonadio, que os descobriu, e de Samy Elia, o empresário. Destaca a irreverência, o deboche e a despreocupação com o ridículo do grupo, cuja escalada para o sucesso é retratada cronologicamente, sem maiores surpresas. O formato convencional, porém, não impediu que o público presente ao Theatro Municipal de Paulínia aplaudisse o filme de pé, ao final da sessão.



Mas foi Destino que acabou se tornando a sensação do festival. O novo filme de Moacyr Góes, produzido por Diler Trindade e protagonizado por Lucélia Santos, é um acúmulo de erros: o registro interpretativo do elenco, calcado num naturalismo banal, o roteiro repleto de falas e diálogos postiços, a inclusão de uma grande sequência de merchandising totalmente desvinculada de sentido e a trilha sonora onipresente. Apesar dos longos 115 minutos de duração, o percurso da jornalista Luiza é apresentado em inacreditável andamento acelerado nos primeiros instantes de projeção. A partir do momento em que avança 18 anos, a história adere às tintas carregadas de um melodrama de gosto duvidoso, com o filho de Luiza, um monge que vive na China, apaixonado pela mulher submissa de um alcoólatra violento. Não por acaso, a produção tornou-se uma peça de humor involuntário.



Terceiro dia



A preocupação de Evaldo Mocarzel com aqueles que vivem à margem ganha mais um capítulo com Sentidos à Flor da Pele , documentário no qual o diretor se debruça sobre deficientes visuais, pessoas que se tornaram cegas pouco depois do nascimento ou ao longo dos anos. Na abertura, uma explicação em off do próprio Evaldo remete ao ponto de partida do projeto: a cegueira do pai do montador Marcelo Moraes, que aparece como personagem do filme. A inserção do cego “dentro” de imagens familiares projetadas numa parede, fazendo com que seu corpo se torne tela de algo que não pode ver, mas é capaz de descrever com exatidão, suscita curiosidade. Vale destacar também a longa passagem construída com uma variedade de sons ambientes relativos ao trajeto de um cego em diversos meios de transporte. Uma determinada personagem afirma que recobrar a visão pode significar a derrocada de um mundo imaginário construído no decorrer do tempo. Elementos que superam eventuais repetições de recursos praticados por Evaldo Mocarzel em outros filmes, como a determinação em fazer dos personagens co-autores dos projetos – no caso de Sentidos à Flor da Pele , ao pedir que criem partituras sonoras para uma imagem.



A sensação de deja vu foi mais forte em Quanto dura o Amor? , de Roberto Moreira, que reedita características encontradas recentemente em outras produções – em particular, na série Alice , de Karim Aïnouz e Sergio Machado, exibida no canal HBO, e no filme O Signo da Cidade , de Carlos Alberto Riccelli. Aqui, uma jovem sai do interior e é tragada pelo ritmo feérico de São Paulo, elevada ao posto de personagem determinante da história e flagrada com encanto que transcende o clichê da cidade madrasta. Mais uma vez, o espectador é apresentado a uma galeria de personagens atravessados por novas e instáveis configurações emocionais. Marina (Silvia Lourenço, muito melhor no domínio do naturalismo do que na encarnação da Sonia, personagem de Tio Vanya , de Tchekhov, texto evocado durante a história) se desvincula do namorado (Sergio Guizé) ao mudar de cidade e se deparar com a passional cantora Judith (Danni Carlos). Suzana (Maria Clara Spinelli) cede à conquista de Gil (Gustavo Machado), colega de profissão, mas o relacionamento será colocado à prova a partir de uma revelação. O tímido Jay (Fabio Herford, destaque do elenco) não mede esforços para sensibilizar a garota de programa Michelle (Leilah Moreno). Por mais agradável e ocasionalmente divertido que seja, Quanto dura o Amor? é muito prejudicado pela inexistência de um recorte específico em relação ao universo que aborda.

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