O valor do texto ( Novas Diretrizes em Tempos de Paz , de Bosco Brasil) e a qualidade da montagem (de Ariela Goldman) são reafirmados na versão cinematográfica assinada por Daniel Filho. A rigor, o melhor do filme está no que já era bom no teatro: o embate entre os personagens – Clausewitz, imigrante que desembarca no Brasil em 1945, disposto a abandonar a profissão de ator porque “o teatro nunca vai falar do mundo que eu vi”, e Segismundo, oficial da imigração bastante pragmático e com passado para lá de condenável –, os ótimos trabalhos dos atores – Dan Stulbach, em precisa composição vocal e portador de olhar transbordante, e Tony Ramos, que confere a autoridade interpretativa que o personagem pede – e a preservação das homenagens à língua portuguesa e ao teatro.
Em Tempos de Paz , o teatral sobrevive graças ao fato de Daniel Filho fornecer ao espectador a possibilidade de imaginar o que narram Clausewitz e Segismundo (que, não por acaso, foi batizado com o mesmo nome do protagonista de A Vida é Sonho , de Calderón de la Barca, um dos textos mais importantes do Século de Ouro Espanhol). É pena que o diretor e o próprio Bosco Brasil, responsável pelo roteiro, não tenham levado esta opção até o fim e insiram cenas ilustrativas no momento em que Segismundo passa a descortinar seu passado. Fica evidente a insegurança de ambos em concentrar o filme na relação entre Clausewitz e Segismundo – de longe, o que mais funciona na tela. Os personagens circunstanciais, mencionados ou inexistentes na peça, soam postiços e parecem existir apenas para suscitar uma “movimentação cinematográfica”.
São concessões que prejudicam Tempos de Paz , ainda que os tributos prestados pelo cineasta sejam dignos de aplausos – aos artistas e intelectuais europeus que vieram para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Alguns não só imprimiram marcas como revolucionaram o teatro brasileiro, muito defasado em relação ao europeu, pelo menos até o final da década de 30. A lembrança especial de Ziembinski assinala com mais força a transição para a cena brasileira moderna, cujo emblema permanece sendo justamente a montagem do diretor polonês para Vestido de Noiva , de Nelson Rodrigues, solidificada por iniciativas como o Teatro Popular de Arte, de Maria Della Costa e Sandro Polônio, e o Teatro Brasileiro de Comédia, capitaneado pelo industrial Franco Zampari, onde uma consistente geração de atores brasileiros se formou pelas mãos dos encenadores europeus (em especial, italianos), que, como Clausewitz, chegaram ao Brasil durante a Segunda Guerra. No saldo, em Tempos de Paz , Daniel Filho roça o moderno, mas revela filiação a soluções antiquadas.
# TEMPOS DE PAZ
Brasil, 2009
Direção: DANIEL FILHO
Roteiro: BOSCO BRASIL
Produção: CLAUDIA BEJARANO, JÚLIO UCHOA
Trilha Sonora: EGBERTO GISMONTI
Fotografia: TUCA MORAES
Direção de Arte: MARCOS FLAKSMAN
Figurino: MARÍLIA CARNEIRO
Montagem: DIANA VASCONCELLOS, ABC
Elenco: DAN STULBACH, TONY RAMOS, DANIEL FILHO
Duração: 80 minutos