Críticas


SE NADA MAIS DER CERTO

De: JOSÉ EDUARDO BELMONTE
Com: CAUÃ REYMOND, CAROL ABRAS, LUIZA MARIANI, JOÃO MIGUEL
08.09.2009
Por Daniel Schenker
SEM LUGAR NO MUNDO

“O nosso medo de assumir riscos nos deixa viciados no depois”, conclui a andrógina Marcin, interpretada com garra por Carol Abras. Em Se Nada mais der Certo , longa de José Eduardo Belmonte vencedor do Festival do Rio e do Cine Ceará, ninguém tem qualquer sinal de garantia à vista. Todos parecem esgotados, como legítimos representantes de uma classe média falida. Tentam ocasionalmente inserção no sistema, mas permanecem à margem da nova (des)ordem de valores. Diante da falta de perspectivas, encontram solução alternativa no flerte com a marginalidade.



Belmonte interliga a crise existencial dos personagens com a decadência do mundo contemporâneo. Conjuga teor confessional, realçado por falas ditas em off, em primeira pessoa, com uma panorâmica da deformação imperante nos dias de hoje, tomando como exemplos o culto às celebridades vazias e o descomprometimento de profissionais com as ideologias das campanhas em que se engajam. Numa das tiradas mais explícitas, um menino zapeia canais e se depara sempre com a mesma imagem. Ao dizer para a mãe que a televisão está quebrada, ouve como resposta: “Não, meu filho, é programa de política”.



A desestabilização dos personagens é realçada por uma câmera instável, em especial na primeira metade da projeção, que reúne imagens fugidias. Também são difíceis de reter as falas sussurradas, uma das características do cinema de Belmonte, bastante presentes no inédito Meu Mundo em Perigo , ainda seu melhor trabalho. Mesmo quando o movimento de câmera tem sua inquietude, em alguma medida, domada, o incômodo permanece, valendo mencionar passagens como a dos closes nos olhos e nas mãos feridas do ator João Miguel. Imagens fortes atravessam o filme: a do ônibus repleto de cadáveres, de corpos mergulhados num torpor, a da empregada com a vela acesa desaparecendo na escuridão do apartamento (destaque para a fotografia de André Lavenere).



Determinados personagens externam com contundência uma crise de identidade que diz respeito mais a uma sensação de falta de lugar no mundo do que ao campo da sexualidade. Se por um lado Marcin lembra o descompasso entre imagem física e sensação íntima de Vera, personagem-título do filme de Sergio Toledo, por outro não parece portar o mesmo desconforto da protagonista interpretada por Ana Beatriz Nogueira. Os personagens de Se Nada mais der Certo encontram sintonia na ruína, principal ponto que os une na formação de uma família substituta, único consolo em meio a um contexto tão desolador.



# SE NADA MAIS DER CERTO

Brasil, 2008

Direção: JOSÉ EDUARDO BELMONTE

Roteiro: BRENO AKEX, JOSÉ EDUARDO BELMONTE, LUIS CARLOS PACCA

Produção: RONALDO D’OXUM, JOSÉ EDUARDO BELMONTE, ABDON BUCHAR, THALITA BUCAR

Música: ZEPEDRO GOLLO

Fotografia: ANDRÉ LAVENERE

Elenco: CAUÃ REYMOND, CAROL ABRAS, LUIZA MARIANI, JOÃO MIGUEL

Duração: 120 minutos







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