Críticas


BASTARDOS INGLÓRIOS

De: QUENTIN TARANTINO
Com: BRAD PITT, CHRITOPH WALTZ, DIANE KRUGER
28.10.2009
Por Luiz Fernando Gallego
INGLÓRIA BASTARDICE

O maior problema deste Taranatino adolescente retardatário e patético em seu “vale-tudo” é que se trata de um filme principalmente sobre o cinema, acima da realidade e até mesmo acima da ficção que seu roteiro apresenta. Coisa de cinéfilo que coloca a "arte pela arte" acima de tudo - e a qualquer preço ! Mas tudo que é "a qualquer preço" cai na conta da hybris dos gregos - a arrogância, a desmesura que sempre é (justamente) punida pelos deuses. No caso, a punição pode vir por descambar na chanchada de um Hitler de opereta dirigida por Mel Brooks mesclado à "seriedade" das cenas iniciais com um massacre frio levado a cabo a partir da perversidade de uma traição induzida - e outras cenas de barbárie por todos os lados. Tarantino parece querer "fazer arte" (no sentido de “arte infantil”, ou adolescente - mas atenção: nada ingênua !) através da apropriação da II Guerra e da perseguição mortífera aos judeus só para... fazer gracinhas.



Nada contra um humor cáustico, demolidor, irreverente.. Mas eu não ri nenhuma vez durante o filme. Problema meu? Fica em aberto esta questão, pois na sessão (bem cheia) em que estive, apenas uma senhorinha gargalhava abertamente. Nada contra dessacralizar totens ou vacas sagradas; nada contra afrontar tabus. O problema é que o filme acaba sendo mau cinema feito por um cinéfilo, prenhe de citações e referências (cópias?) com ritmo oscilante que muitas vezes se arrasta. Nem tanto a violência alardeada incomoda necessariamente: Tarantino já fez coisas piores neste terreno de destrutividade escatológica, só que em ritmo de desenho animado perverso. O incômodo é com o nonsense que não se descabela de vez em uma forma cinematográfica que fosse, de fato, nova, criativa e funcional. Às vezes ele parece se levar a sério (parte da cena de abertura), às vezes ele "pisca o olho" para a platéia cúmplice do descerebramento que se quer "inteligente" como quem diz: "Olha só como eu sou esperto e quebro convenções de temas intocáveis!". Mas tudo não passa de pornografia ética.



Só porque ele faz um plano-seqüência virtuosístico, naturalmente sem cortes, na cena de um hall de cinema em que vai ser exibido um filme para Hitler, com a câmera subindo e descendo escadas, temos "bom cinema"? Acho que na forma, Tarantino envelheceu muito rápido para quem fez Cães de Aluguel e sabia (sabia) copiar, como epígono aplicado, aquilo que restou como clichês/cacoetes da já então velha nouvelle vague, transformados na linguagem pop de Pulp Fiction (cujo nome já assumia tudo o que viria depois de Jackie Brown), e que, afinal das contas, era uma comédia esperta de humor negro - mas que "evoluiu" (ou involuiu) nos filmes seguintes para o tipo de coisa que o título já anunciava: das páginas amarelas de livros policiais baratos para a baixaria de Kill Bill, e agora para algo do gênero imprensa marron da bastardice inglória deste filme metido a “qualquer coisa”.



As referências cinematográficas abundam como material coprofagizado e devolvido em vômitos de estupidez visual intelectualóide - e diálogos tão pretensiosos como "espertos" que não passam de excessos verbais de situações estúpidas.



Não vejo nada demais em mostrar perseguidos (judeus ou não) reagindo à e na barbárie: já existem filmes (infelizmente ruins) com esta abordagem, mas a História ainda pode(rá) mostrar mais do que tais filmes. Não se trata disso, mas sim do que já foi apontado pelo crítico e professor da UFMG, Luiz Nazário, como (os termos são meus, a idéia é que é dele) uma ´nazificação´ e "terroristização" (o filme merece este horrível neologismo) de uma forma ficcionalizada de resistência ao nazismo, vingando-se contra o antissemitismo assassino. (O texto de L. Nazario, brilhantemente fundamentado está na seção "Convidados")



Mas o maior problema mesmo do filme é o que, para Tarantino deve ser um gozo de suposta qualidade em circuito fechado de citações e referências: a cinefilia. Ele quer fazer - e muito ! - um filme de cinéfilo; e quer falar de cinema acima de tudo, repetindo clichês com o álibi já surrado do "pós-modernismo". Um exemplo de quando ele não cita filmes objetivamente (como faz com O Corvo - Le Courbeau - de Clouzot, ou filmes de Pabst com Leni Riefenstahl): a tomada do alto na cena da cabine de projeção com duas pessoas vistas deitadas no chão poderia ter existido (acho que já vi, não lembro onde) em vários melodramas noir e/ou de guerra. Estes clichês de melodramas antigos repetidos como "citação" (e “citação” pode, não é plágio) já existiam de outro modo no abjeto A Espiã de Paul Verhoeven (minha crítica está em

https://criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?secoes=&artigo=1450 ).



Curiosamente, um filme (muito, muito melhor, ainda que com problemas) foi exibido no Festival Rio 2009, com proposta "de esquerda", contra Mussolini e (por alusão) contra Berlusconi, e caía em risco semelhante: Vincere, de Marco Bellochio. Mas a cinefilia de Bellochio sem ser o melhor deste seu (mais um) filme-problema não prejudicava sua integridade moral. Já Tarantino, parece um boboca espertinho querendo chamar a atenção de qualquer jeito. Assim , ele consegue.



Bastardos Inglórios só tem a seu favor o desempenho do vilão mais odioso dos últimos tempos, um ator austríaco (Christoph Waltz) que foi premiado em Cannes: ele é o que permite que se mantenha o olho aberto na encarnação do mal absoluto com determinadas características: frio, cínico, mordaz, esperto, ardiloso. Tudo que o filme do Tarantino queria ser, mas não é em sua grosseria. E reutilizar a trilha de Morricone para Allonsafan dos Irmãos Taviani neste filme, mesmo como citação/alusão aos filmes de Sergio Leone ou outros, muito mais consequentes, chega a ser um sacrilégio.



# BASTARDOS INGLÓRIOS (Inglourious Basterds)

EUA, 2009

Direção e Roteiro: Quentin Tarantino

Fotografia: Robert Richardson

Edição: Sally Menke

Elenco: Brad Pitt , Mélanie Laurent, Christoph Waltz, Michael Fassbender, Diane Krueger , Daniel Brühl.

Duração: 153 minutos

Site oficial: http://www.inglouriousbasterds-movie.com/



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