Críticas


GRANDE DITADOR, O

De: CHARLES CHAPLIN
Com: CHARLES CHAPLIN, PAULETTE GODARD
25.12.2002
Por Fernando Albagli
FALANTE, MAS AINDA CHAPLIN

De uma perspectiva histórica, O Grande Ditador é um filme importante. Foi o único, antes da entrada dos Estados Unidos na Segunda Grande Guerra, a criticar duramente os nazistas – a ridiculização pelo humor sempre foi uma forte arma – e, particularmente sua política racial, que afirmava a supremacia ariana.



Como a produção começou ainda em 1937, antes da invasão da Polônia, antes que a Alemanha nazista fosse considerada uma ameaça pelos americanos e seu líder um perigoso louco megalomaníaco, e bem antes que se tomasse conhecimento das atrocidades do Holocausto, fica evidente que os ditadores apresentados no filme – Adenoid Hynkel, da Tomânia, e Benzino Napoloni, de Bactéria, Hitler e Mussolini – são figuras premonitórias percebidas pela sensibilidade e o gênio de Charles Chaplin.



Cinematograficamente, o filme marca a primeira incursão do homenzinho de chapéu-coco e bengala no cinema sonoro, e a última em que ainda se utiliza do personagem que o consagrou, apesar de não ser exatamente o mesmo Carlitos dos curtas e dos outros longas da década de 1930, as obras-primas Luzes da Cidade e Tempos Modernos -- daí em diante, ele foi um serial killer (Monsieur Verdoux), um ator decadente (Luzes da Ribalta) e um soberano exilado (Um Rei em Nova York).



Os maneirismos de Carlitos funcionam às mil maravilhas nos filmes mudos. Chaplin transmite pensamentos e emoções sem precisar de uma linha sequer de diálogo. Quando começa a falar, no entanto, as melhores seqüências continuam sendo as mudas – e entendam-se, como mudas, as que não têm diálogos.



Interpretando dois personagens diametralmente opostos – o poderoso Hynkel e seu sósia, o indefeso barbeiro judeu – Chaplin fala pouco como barbeiro, mas termina o filme com um discurso que, apesar de emocionante, um sermão da democracia, da liberdade e da bondade humana, é palavroso e longo demais, quebrando o ritmo da montagem e soando como uma desgastada "moral da história", o que ele nunca precisou fazer nos finais enxutos de suas maiores obras. Ironicamente, esse mesmo discurso foi usado pelo diretor do FBI, J. Edgar Hoover, como prova das alegadas inclinações comunistas do genial cineasta.



Claro que, para os filmes sonoros, os gestos-chaves foram diminuídos – o andar com os pés abertos, o girar da bengalinha, o se ajeitar batendo os ombros – mas talvez não o suficiente. Assim, pelo menos nas seqüências do início, as interpretações são caricaturais, diferindo do resto do filme. Inclusive Paulette Godard, que esteve perfeita como a jovem força da natureza, em Tempos Modernos, também sobreatua. E, para atenuar isso, nada ajuda aquele seu jeitinho de mocinha americana numa mulher do povo de um gueto europeu.



De qualquer maneira, vale (re)ver o filme que denunciou a irracionalidade nazista em primeiro lugar. Chaplin talvez fale mais do que devia – não pelo belo conteúdo mas pelo exagero da forma. Em compensação, ele constrói algumas seqüências que já fazem parte da história do cinema – o ditador brincando com o globo, sonhando com a conquista do mundo, o barbeiro escanhoando um freguês ao ritmo da música que toca no rádio e algumas outras, mudas como a de seus maiores filmes.



A criatividade e o agudo senso crítico apoiado no humor iconoclasta continuam presentes naquele que foi o maior artista do cinema na primeira metade do século 20.



Algumas curiosidades



Pode-se ler, nos créditos iniciais: "Qualquer semelhança entre o ditador Hynkel e o barbeiro judeu é mera coincidência".



Lançado nos Estados Unidos e na Inglaterra no final de 1940, só estreou na Suécia em 1945, na Dinamarca em 1947, na Finlândia em 1950, na Alemanha Ocidental em 1958. O atual relançamento, com cópias novas, aconteceu em 2002, em vários países.



Chaplin ganhou o prêmio de Melhor Ator dos críticos de Nova York, mas não quis recebê-lo.





A BIOFILMOGRAFIA DE CHARLES CHAPLIN



Charles Spencer Chaplin nasceu em Londres, no dia 16 de abril de 1889. Os pais – Charles Chaplin e Hannah Hill – eram artistas de musicais. Hannah, imitadora e dançarina, era descendente de irlandeses e ciganos. Casou-se em primeiras núpcias com Sidney Hawkes e teve três filhos. Ao divorciar-se, ficou com o filho mais novo, Sidney, e casou-se com Charles que, como o primeiro marido, descendia de judeus. Charles chegou a ter uma certa fama como cômico mas, alcoólatra, morreu aos 37 anos, depois de ter se separado da mulher, um ano após o nascimento de Charles Spencer.



Hannah achou que poderia sustentar os dois filhos com o que ganhava no teatro. Mas começou a perder a voz, inclusive sendo substituída pelo pequeno Charles, aos cinco anos de idade, quando ficou afônica durante um espetáculo. Como não conseguia sobreviver com o que passou a ganhar costurando, tiveram que se internar no asilo de pobres de Lambeth. De lá, Charles e Sydney foram transferidos para uma escola, até que receberam a notícia de que a mãe enlouquecera, o que os fez passar à custódia do pai e da madrasta. Mas, em dois anos, Hannah recuperou a saúde e voltou a viver com os filhos. Teve mais algumas crises, mas vaio a falecer apenas em 1928, na Califórnia, sob os cuidados de Charles, que já tinha muito dinheiro.



Aos oito anos, estimulado pela mãe e também com o apoio do pai, Charles fez uma turnê com os Eight Lancashire Lads, um grupo de clog dancers, sapateadores de tamancos. Depois de vários pequenos empregos, conseguiu trabalho em teatro, em peças e depois numa companhia de variedades. Finalmente, aos 17 anos, levado por Sydney, foi contratado pela empresa de Fred Karno, que compreendia várias companhias. Numa dessas, Chaplin foi aos Estados Unidos duas vezes, em 1910 e 1912. Com ele, ia também um certo Stan Laurell (mais tarde, o Magro da dupla O Gordo e o Magro). Alguns dos atores resolveram ficar na América para tentar a sorte.



Não foi apenas sorte, é claro, mas muito talento também, que fez o produtor Mack Sennett, indicá-lo para a Keystone, e levá-lo para Hollywood, em fins de 1913. Na Keystone já estavam os famosos Roscoe "Fatty" Arbuckle (no Brasil, Chico Bóia), Mabel Normand, os Keystone Kops e Mack Swain.



Em seu primeiro filme -- Carlitos Repórter (Making a Living) --, que estreou em fevereiro de 1914, Chaplin foi um vilão, de fraque, monóculo e bigode de pontas reviradas para baixo. Logo no segundo – Corridas de Automóveis para Meninos (Kid Auto Races at Venice), usou as roupas que o marcariam para sempre, praticamente todas emprestadas: as calças largas de Arbuckle, sapatos de Fred Serling, que tinha os pés muito maiores que os dele, um colete apertado de Charles Avery, um chapéu-coco do sogro de Arbuckle e um bigode postiço de Swain, aparado para ficar do tamanho das cerdas de uma escova de dentes.



Nesse ano, ele fez 35 filmes. Daí em diante, escreveu, dirigiu, produziu e estrelou todos os seus filmes. No ano seguinte, 1915, mudou-se para a Essanay e fez mais 14. Em 1916-17, na Mutual, mais 12. Em 1918, foi para a National (mais tarde absorvida pela Warner). Ainda nesse ano, ele e o irmão abriram seu próprio estúdio. E, em 1919, fundou a United Artists, com Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D. W. Griffith, além de William Hart e William MacAdoo, genro do Presidente Wilson e ex-Ministro das Finanças. Mas Chaplin só filmou para ela em 1923, quando fez A Woman of Paris, no Brasil Casamento ou Luxo, reintitulado mais tarde A Opinião Pública.



Seu primeiro longa-metragem foi O Garoto (The Kid), em 1921. Inspirado em sua infância, que lembra romances de Charles Dickens, principalmente o Oliver Twist, bateu todos os recordes de bilheteria da época. Sobre ele, o próprio Chaplin escreveu: "Existiam, até então, sátira, farsa, realismo, naturalismo e fantasia, mas farsa crua e grossa misturada com sentimento, até a filmagem de O Garoto, era coisa de todo inexistente. E, portanto, uma inovação". Acostumado a apenas rir com seus filmes, o público começou também a se emocionar.



Depois disso, veio a fase áurea da carreira de Charles Chaplin. Em Em Busca do Ouro (The Gold Rush),1925, com a dança dos pãezinhos na noite solitária do Ano Novo, O Circo (The Circus),1928, quando Carlitos, rejeitado, dobra a estrela de papel e a chuta com o calcanhar, e Luzes da Cidade (City Lights),1931, no maravilhoso close final que estampa o sorriso do vagabundo cortado por uma lágrima, estão alguns dos momentos mais poéticos do cinema.



Tempos Modernos (Modern Times), O Grande Ditador (The Great Dictator), Monsieur Verdoux (Monsieur Verdoux), respectivamente de 1936, 1940 e 1947, são críticas mordazes à sociedade moderna, esquecida dos valores humanos.



Em 1929, na primeira cerimônia de entrega dos Oscars, Chaplin ganhou uma estatueta especial e, numa carta, a Academia explicou que "decidiu, unanimemente, que seu nome fosse retirado das categorias competitivas, e que um prêmio especial lhe fosse conferido, por ter escrito, estrelado, dirigido e produzido O Circo (The Circus). Sua versatilidade criou para o seu nome uma categoria própria.”



Apesar do enorme sucesso de público e de crítica em todo o mundo, Chaplin sofreu muitas restrições de ordem moral e política. Seus casamentos com mulheres muito mais jovens, algumas ainda adolescentes, indignaram os fãs e deram matéria para escândalos nos jornais. Primeiro, foi Mildred Harris, figurante de 16 anos com quem ele se casou, aos 29. Em seguida, Lita Grey, também de 16, ele com 35. Depois, Paulette Godard, de 19, Chaplin com 44. E finalmente, em 1943, Oona O´Neill, de 18 anos, 36 anos mais jovem que ele, contra a vontade do pai, o dramaturgo Eugene O´Neill. Ainda entre o terceiro e o quarto casamento, um rumoroso caso de investigação de paternidade.



As acusações sobre sua simpatia pelo comunismo cresceram durante a guerra, quando ele se manifestou a favor de uma segunda frente para ajudar os russos. A isso, acrescente-se o ressentimento "patriótico" americano por ele nunca ter querido se naturalizar. Várias organizações estatais o investigaram.



Em 1952, viajou à Inglaterra, com toda a família, para a estréia de Luzes da Ribalta (Limelight). Sabendo que só poderia voltar aos Estados Unidos depois de interrogado pela Imigração, resolveu ficar na Europa, fixando-se na Suíça.



Só voltou à América vinte anos depois, quando recebeu uma homenagem e um Oscar especial da Academia e foi aplaudido calorosamente.



Charles Spencer Chaplin morreu dormindo, na noite de Natal de 1977, aos 88 anos, deixando onze filhos. Em 3 de março de 1978, seu corpo foi roubado do cemitério de Corsier-Sur-Vevey, sendo achado pela polícia em 18 de maio.



Carlitos conquistou o grande público e os intelectuais. Fez sorrir e gargalhar, provocou emoção e lágrimas. Fez, principalmente, um grande cinema, humano e poético, sem nunca apelar para truques e efeitos técnicos desnecessários. O tragicômico homenzinho despertou idéias e, mais do que tudo, sentimentos. Ele nos fez pensar em beleza, ternura, liberdade e esperança. Seus filmes são eternos.



Além dos filmes citados, Charles Chaplin nos deixou uma grande filmografia:



Em 1914: Carlitos no Hotel (Mabel´s Strange Predicament), Dia Chuvoso (Between Showers), Joãozinho na Película (A Film Johnnie), Carlitos Dançarino (Tango Tangles), Carlitos entre o Bar e o Amor (His Favorite Pastime), Carlitos Marquês (Cruel Cruel Love), Carlitos e a Patroa (The Star Boarder), Carlitos Banca o Tirano (Mabel at the Wheel), Vinte Minutos de Amor (Twenty Minutes of Love), Bobote em Apuros (Caught in a Cabaret), Carlitos e a Sonâmbula (Caught in the Rain), Carlitos Ciumento (A Busy Day), A Maleta Fatal (The Fatal Mallet), Carlitos Ladrão Elegante (Her Friend the Bandit), Dois Heróis (The Knockout), Carlitos e as Salsichas (Mabel´s Busy Day), Dois Casais Encantados (Mabel´s Married Life), Gás Hilariante (Laughing Gas), Carlitos na Contra-Regra (The Property Man), Sobrado Mal-Assombrado (The Face on the Barroom Floor), Divertimento (Recreation), Carlitos Coquete (The Masquerader), Nova Colocação de Carlitos (His New Profession), Carlitos na Farra (The Rounders), Carlitos Porteiro (The New Janitor), Carlitos Rival no Amor (Those Love Pangs), Dinamite e Pastel (Dough and Dynamite), Carlitos e Mabel Assistem às Corridas (Gentleman of Nerve), Músicos Vagabundos (His Musical Career), O Engano (His Trysting Place), Idílio Desfeito (Tillie´s Punctured Romance), Carlitos e Mabel em Passeio (Getting Acquainted), O Passado Pré-Histórico (His Prehistoric Past).



Em 1915: Seu Novo Emprego (His New Job), Uma Noite Fora (A Night Out), Campeão de Boxe (The Champion), Carlitos no Parque (In the Park), Carlitos Quer Casar (A Jitney Elopment), O Vagabundo (The Tramp), Carlitos à Beira-Mar (By the Sea), Carlitos na Atividade (Work), Senhorita Carlitos (A Woman), O Banco (The Bank), Carlitos Marinheiro (Shanghaied), Carlitos no Teatro (A Night in the Show), Carmen às Avessas (Charlie Chaplin´s Burlesque on Carmen), Roubo Frustrado (Police).



Em 1916: O Falso Gerente (The Floorwalker), Carlitos Bombeiro (The Fireman), O Vagabundo (The Vagabond), A Uma da Madrugada (One A.M.), O Conde (The Count), A Casa de Penhores (The Pawnshop), Carlitos no Estúdio (Behind the Screen), Sobre Rodas (The Rink).



Em 1917: Rua da Paz (Easy Street), O Balneário (The Cure), O Emigrante (The Immigrant), O Aventureiro (The Adventurer).



Em 1918: Vida de Cachorro (A Dog´s Life), Ombro, Armas! (Shoulder Arms).



Em 1919: Idílio Campestre (Sunnyside), Um Dia de Prazer (A Day´s Pleasure).



Em 1921: Os Clássicos Vadios (The Idle Class).



Em 1922: Dia de Pagamento (Pay Day)



E mais: Pastor de Almas (The Pilgrim),1923, Um Rei em Nova York (A King in New York),1957, A Condessa de Hong Kong (A Countess From Hong Kong),1966.

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