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SOBRA PLATÉIA E FALTAM FILMES INFANTIS

10.01.2003
Por Maria Silvia Camargo
SOBRA PLATÉIA E FALTAM FILMES INFANTIS

Ir ao cinema para ver filmes infantis é um prazer e uma lição. Faço isto há mais de 18 anos e continuo aprendendo: sobre os filmes, sobre as crianças e, principalmente, sobre o gosto do público. Os filmes mudaram. As crianças, nem tanto. Continuam exigentíssimas. Por isto nestas sessões há que se tirar os olhos da tela muitas vezes: a platéia é um violino afinado que reage espontaneamente a tudo, o show das cadeiras é tão ou mais importante quanto o da tela.



A safra de filmes infantis destas férias não está sendo muito diferente das dos últimos anos: temos as fitas e desenhos mais adequados aos pequenos (como Stuart Little II e Xuxa e os Duendes II – No Caminho das Fadas ) e os filmes e desenhos recomendáveis para os acima de sete anos ( Harry Potter e a Câmara Secreta , O Planeta do Tesouro e Pequenos Grandes Astros por exemplo). Como há sempre carência de programas adequados, é comum aos filhos de pais que não saem de férias verem tudo o que entra em cartaz. Por isto tentarei tecer meus comentários em cima do casamento perfeito - entre faixa etária e programa - não levando em conta se meu sobrinho de 13 anos achou Stuart Little II "um tédio". Normal.



Primeiro: quanto à nacionalidade dos filmes. Faltavam, faltam e faltarão filmes brasileiros. Há gerações e gerações se emancipando com pouquíssimas referências visuais de raiz. E olha que a reação de uma criança à um filme nacional é sempre diferente. Ao contrário de muitos adultos, as crianças são mais disponíveis ao que produzimos por aqui. Desde os primeiros filmes de Os Trapalhões, passando pelo o começo de Xuxa nas telas, chegando ao Castelo Rá-Tim-Bum e Tainá , não existe um pequeno brasileiro que não queira se identificar com um ídolo e com um universo a que ele pertence. Não existe uma menina – e também meninos, se pequenos - que não queira cantar uma música de filme do começo ao fim, que depois ele possam cantar de novo, ouvindo-a no rádio ou TV. O sucesso das gírias inventadas por Didi Mocó (o Renato Aragão de Os Trapalhões) e repetidas no cinema, seriam outro exemplo do quanto a linguagem de um espetáculo sem traduções atinge as crianças de imediato.



Todo jovem futuro diretor de cinema nacional deveria fazer este teste: entrar no cinema e reparar no público de um Xuxa como este Xuxa e os Duendes II – No Caminho das Fadas . Mesmo os que não são fãs da loura e ultrapassam a faixa dos 7 anos vão para gostar. É verdade que estes filmes melhoram a cada ano. No destas férias, a trilha sonora de Mu Chebabi (o esperto compositor de Casseta & Planeta) cai no gosto da platéia, que logo começa a cantar as músicas. Presenças como Cláudia Rodrigues, Karen Acioly e Vera Fischer são recebidas com muitos "ahs!" e "ohs!" – com destaque para o papel de Cláudia como bruxinha atrapalhada, que provoca muitas risadas. O que este filme ensina ao jovem cineasta é quem é o seu público, e quão alto é o grau de carência que ele têm de um filme feito entre nós. Em Xuxa II , mesmo com um roteiro esquemático e um final abrupto (num descompasso entre roteiro e efeitos especiais, que faz com que as crianças se levantem antes de sua conclusão), elas se divertem! O mercado tem espaço para infinitas possibilidades de cinema nacional a cada férias. Que o digam o sucesso dos adoráveis Tainá e Castelo Rá- Tim-Bum .



A vantagem de um filme nacional é que ele interage de imediato com a criança. Diante de um produto estrangeiro a reação é diferente. Seja por distanciamento cultural (o caso de Pequenos Grandes Astros , uma história divertida, mas sobre basquete americano) ou, no caso de alguns desenhos, por excesso de velocidade, computador e efeitos especiais, o fato é que elas saem do cinema satisfeitas, mas também algo estranhadas. Não estou falando dos clássicos produtos Disney sem computador (feitos antes de A Bela e a Fera , um híbrido de mau resultado em que computador e desenhistas "brigam", de 1991) e também estou deixando de lado todos os desenhos em que a tecnologia criada para dar apoio aos personagens interage com tal perfeição com a excelente história – muitas vezes original - que o resultado é um clássico (como no caso de Toy Story , Dinossauros , Monstros S. A ). Estou falando de coisas como Planeta do Tesouro.



Apesar de baseado no clássico de Robert Louis Stevenson, escrito há 119 anos (A Ilha do Tesouro) o filme pouco acrescenta ao maravilhoso original. Ele projeta os mesmos personagens (o garoto Jim Hawkins, que, atrás do tesouro do lendário Flint, cruza com o pirata John Silver) no espaço. Agora a ilha a ser conquistada é um planeta perdido no universo, e os companheiros de aventura de Jim não são pessoas, mas ETs. O desenho dos personagens Jim e Silver têm até falas originais e há vários momentos em que o filme encanta e diverte (vide o robô) a platéia, mas há exageros. É quando o computador impera e na tela só ficam os efeitos. A criança ao seu lado fica boquiaberta, mas distante. Talvez os estúdios Disney devessem se bastar mais com o original, deletando alguns das dúzias de personagens e o excesso de gags e técnica.



Exemplos de desenhos que combinam perfeitamente uma história simples com bons traços e desenhos por computador, são A Era do Gelo e Lillo & Stitch . Com outra técnica de animação, Stuart Little também pode se dar ao luxo de fazer da tecnologia a principal estrela do filme, pois seu argumento e roteiros são despretensiosos e funcionam. O mais legal é que a continuação repete a bem sucedida fórmula. O espírito ingênuo da história do ratinho que tem como pais pessoas normais, continua em Stuart Little 2 – que ainda introduziu novos personagens à trama. Mesmo entendendo a necessidade dos estúdios de fazerem filmes de variados os orçamentos, alguns apenas para fazerem caixa, vai ser difícil engolir Mogli 2 - que estréia em fevereiro. Assim como Aladim 2, 3, e 4 e todos os outros subprodutos Disney destinados ao mercado de vídeo, é quase impossível superar o impacto que a história original provocou. Uma boa história que renda um bom roteiro, aliás, é tudo o que as crianças – assim como os adultos - querem. Quando se têm uma boa base, é difícil errar. Basta ver como o público jovem adorou os Harry Potter 1 e 2 e se entediou com Scooby-Doo – grande lançamento com um roteiro rocambolesco de um desenho já sofrível.



Com quase um mês de férias ainda pela frente, a multidão de pequenos desocupados espera ansiosa por novos lançamentos. Não teremos muitos. Vamos ver se Os Thornberrys – O Filme, baseado no desenho do canal de TV a cabo Nickelodeon, e Pinocchio , filme com Roberto Benigni que estréia em fevereiro, passam pelo crivo deste público rigoroso.

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