Críticas


FLOR DO DESERTO

De: SHERRY HORMAN
Com: LIYA KEBEDE, SALLY HAWKINS, CRAIG PARKINSON, MEERA SYAL
10.07.2010
Por Nelson Hoineff
POBRE MENINA POBRE

Somos vitimas do óbvio até em lanchonetes. Debochamos, ou ficamos indefesos. Melhor ficar indefesos. Mas quando o óbvio deixa de estar numa pergunta, e migra para uma afirmação, passamos a vítimas. A vítima do chavão, por exemplo, não é o filme, mas o espectador. Do “politicamente correto” para o débil-mental, a distância mal pode ser percebida. Está nos discursos de todos os políticos, está nos avisos dos hotéis para que não se lave a toalha, está no auto-encolhimento que às vezes sentimos fisicamente como uma dor de crescimento às avessas, quando somos obrigados a freqüentar o universo regido pelas tolices protocolares.



O que torna Brüno (o filme de Sacha Baron Cohen) genial, por exemplo, é o reconhecimento de todos esses universos e o estabelecimento de um desafio a essa ordem. Bruno a atrai, a agride, a complica. Mostra que, se a burrice está por toda parte, ela ainda assim não é hegemônica ou, na pior das hipóteses, ainda não monopolizou completamente o pensamento mediano.



Filmes como Flor do Deserto, contudo, fazem uma força danada para isso. Vão com tudo o que tem e não abrem a menor concessão a qualquer reflexão mais profunda que um pires. São óbvios. Querem ser óbvios. Não sabem ser mais do que óbvios. São, em todos os sentidos, primários e banais a cada minuto.



A bela garota Somali é castrada aos 5 anos e vendida logo depois. Mas tem charme e fibra suficiente para escapar e atravessar vários desertos para vencer a maneira desajeitada de andar e acabar se tornando uma modelo mundialmente conhecida e uma ativista da paz. Luta contra o mundo e o preconceito, mas chega lá. E o faz através de um conjunto constrangedor de clichês e modelos de atuação que em condições normais não seriam aceitáveis nas apresentações de fim-de-ano de grupos escolares.



Ninguém em sã consciência pode ter simpatia por pessoas que promovem o racismo, deixar de gostar de mulheres bonitas ou de admirar quem atravessa desertos para buscar sua liberdade. E aí é que está. Ninguém é contra a fome ou a violência contra crianças e esse é o discurso de 99% dos candidatos minoritários que estaremos vendo nas próximas semanas na televisão. O que eles dizem (fome, violência, pobreza) é obviamente verdadeiro, mas a maneira como dizem e o porquê estão dizendo isso é o que é suspeito, é o que é grotesco como em Flor do Deserto.

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