Somos vitimas do óbvio até em lanchonetes. Debochamos, ou ficamos indefesos. Melhor ficar indefesos. Mas quando o óbvio deixa de estar numa pergunta, e migra para uma afirmação, passamos a vítimas. A vítima do chavão, por exemplo, não é o filme, mas o espectador. Do “politicamente correto” para o débil-mental, a distância mal pode ser percebida. Está nos discursos de todos os políticos, está nos avisos dos hotéis para que não se lave a toalha, está no auto-encolhimento que às vezes sentimos fisicamente como uma dor de crescimento às avessas, quando somos obrigados a freqüentar o universo regido pelas tolices protocolares.
O que torna Brüno (o filme de Sacha Baron Cohen) genial, por exemplo, é o reconhecimento de todos esses universos e o estabelecimento de um desafio a essa ordem. Bruno a atrai, a agride, a complica. Mostra que, se a burrice está por toda parte, ela ainda assim não é hegemônica ou, na pior das hipóteses, ainda não monopolizou completamente o pensamento mediano.
Filmes como Flor do Deserto, contudo, fazem uma força danada para isso. Vão com tudo o que tem e não abrem a menor concessão a qualquer reflexão mais profunda que um pires. São óbvios. Querem ser óbvios. Não sabem ser mais do que óbvios. São, em todos os sentidos, primários e banais a cada minuto.
A bela garota Somali é castrada aos 5 anos e vendida logo depois. Mas tem charme e fibra suficiente para escapar e atravessar vários desertos para vencer a maneira desajeitada de andar e acabar se tornando uma modelo mundialmente conhecida e uma ativista da paz. Luta contra o mundo e o preconceito, mas chega lá. E o faz através de um conjunto constrangedor de clichês e modelos de atuação que em condições normais não seriam aceitáveis nas apresentações de fim-de-ano de grupos escolares.
Ninguém em sã consciência pode ter simpatia por pessoas que promovem o racismo, deixar de gostar de mulheres bonitas ou de admirar quem atravessa desertos para buscar sua liberdade. E aí é que está. Ninguém é contra a fome ou a violência contra crianças e esse é o discurso de 99% dos candidatos minoritários que estaremos vendo nas próximas semanas na televisão. O que eles dizem (fome, violência, pobreza) é obviamente verdadeiro, mas a maneira como dizem e o porquê estão dizendo isso é o que é suspeito, é o que é grotesco como em Flor do Deserto.