O maior problema de O Bem Amado , versão cinematográfica de Guel Arraes para Odorico, o Bem Amado , de Dias Gomes, não reside na sucessão de cortes artificialmente ágeis, recurso empregado para dar dinamismo ao filme. Também não está em passagens de óbvio contraste, como naquela em que Odorico (Marco Nanini) define sua filha (Maria Flor), estudante de colégio de freiras, como casta para, em seguida, mostrá-la fazendo topless na praia. E não deve ser creditada a eventuais exageros dos atores, todos engajados em composições físicas de personagens pitorescos. Incomoda mesmo em O Bem Amado é a sensação de que já se viu tudo o que é mostrado na tela.
Não se trata apenas de sensação. A divertida história do prefeito corrupto de Sucupira que lucra indevidamente com a construção de um cemitério e não consegue inaugurá-lo devido à falta de cadáveres foi vista na televisão (em novela e seriado) e no teatro (recentemente, com o mesmo Nanini interpretando o personagem imortalizado por Paulo Gracindo). No que se refere especificamente a essa nova adaptação, o que bate na tela se parece muito com os filmes anteriores de Guel Arraes, impressão reforçada pelo fato de voltar a trabalhar com o mesmo time de atores (Nanini, Andréa Beltrão, Bruno Garcia, Edmilson Barros, Tonico Pereira), vários deles portadores de timing inegável.
Diretor que vem investindo numa equivalência algo forçada entre as gramáticas da televisão e do cinema (vide O Auto da Compadecida e Caramuru – A Invenção do Brasil ), Guel Arraes volta a apresentar um produto que deixa a impressão de se aproximar mais de certo padrão televisivo que o desejável. Não seria justo, em todo caso, negar ao diretor habilidade na fusão de realidade e ficção ao mesclar as peripécias de Odorico com o contexto brasileiro pré-golpe de 64, com especial referência à renúncia de Janio Quadros. O tema da corrupção política leva o espectador a inevitavelmente pensar na perpetuação da impunidade na história brasileira, ainda que seja mais que oportuna a preocupação de Guel Arraes em fazer a distinção entre o regime militar e o início do processo democrático ao encerrar o filme com a Marcha pelas Diretas, em 1984.
# O BEM AMADO
Brasil, 2010
Direção: GUEL ARRAES
Roteiro: CLAUDIO PAIVA, GUEL ARRAES
Produção: PAULA LAVIGNE
Fotografia: DUDU MONTEIRO, PAULO SOUZA
Direção de Arte: CLAUDIO AMARAL PEIXOTO
Figurino: CLAUDIA KOPKE
Montagem: CAIO COBRA
Elenco: MARCO NANINI, MATHEUS NACHTERGAELE, ZEZÉ POLESSA, DRICA MORAES, ANDRÉA BELTRÃO
Duração: 107 minutos