Críticas


FESTIVAL DO RIO 2010 – RETROSPECTIVA AMOS GITAI

De: AMOS GITAI
Com: VÁRIOS INTÉRPRETES
21.09.2010
Por Críticos.com.br
RETROSPECTIVA AMOS GITAI - FESTIVAL DO RIO 2010

APROXIMAÇÃO (Disengagement)



Alemanha, França, Israel, Itália, 2007. 115´



por Leonardo Luiz Ferreira



O que era uma filmografia de interesse até meados dos anos 2000 se transformou em uma obra que anda em círculos tanto de forma quanto de conteúdo. Não há como negar a autoria do israelense Amos Gitai desde seus primeiros documentários nos anos 70, que foram censurados em Israel, até a incursão na ficção, em 1985, com o pasoliniano Esther. A sua visão de mundo combativa e provocadora com relação à política e aos conflitos étnicos em seu país lançou um novo olhar interpretativo para questões decisivas da contemporaneidade. Mas seus filmes se tornaram tão repetitivos que é possível codificá-los em pouco tempo, sem realmente trazer algo diferenciado. É como se ele refilmasse à exaustão o mesmo argumento, apenas reprocessando diálogos e situações. Por mais que sua obra esteja fixada em trilogias, os longas deveriam funcionar como complemento e não a diluição dos anteriores.



Gitai agora investe mais em experimentos e tem mantido uma média impressionante de lançamentos. Só que a quantidade está longe de trazer qualidade. Por essa razão, os seus últimos filmes não têm tido grande repercussão nos festivais ou nem chegam a serem exibidos em mostras representativas: Carmel (2009) é um arremedo de ensaio poético, à la Godard, que transita entre a ficção e o documentário, com a repetição do discurso de outrora. Não que a reiteração temática seja prejudicial aos cineastas, mas no caso de Amos se tornou uma espécie de aprisionamento que engessou a sua visão cinematográfica. E isso era algo que não se poderia prever após Alila (2003), já que nessa produção ele abdicava do tom de denúncia e do peso da dramaturgia para um filme mais leve e que apontava novas direções. Só que a partir desse ponto, ele iniciou uma descendente e se transformou em uma caricatura do autor moderno: repetitivo, pedante e estagnado em termos de criação.



Aproximação (2007), que somente agora chega ao circuito nacional, é mais um exemplar dessa fase atual e irregular do realizador. A produção abriga em sua primeira parte todos os procedimentos fílmicos que tornaram pesarosos o ato de assistir a uma obra assinada por Amos Gitai: o primeiro plano tenta traduzir em palavras o discurso do filme, com diversas piscadelas para o espectador, como a troca de línguas dos personagens. Em 10 minutos, Gitai reitera a babel dos tempos atuais em que todos têm identidades difusas e parecem não encontrarem um porto. Isso ilustrado em uma viagem de trem, ou seja, a transitoriedade e deslocamento espaço-tempo. Em seguida, o diretor estabelece tempos mortos que não induzem à reflexão, bem como os planos-sequências, uma das marcas de sua mise-en-scène, em que não se extrai muito nem do espaço nem dos personagens. Em alguns momentos soa apenas como estilo e não como funcionalidade. Uma moça canta de maneira lírica próxima a um morto – a poesia para a tragédia que é intrusiva e não instintiva. Até a atriz Juliette Binoche consegue ser desperdiçada nesse entrecho em que parece não ter função, senão a de estabelecer uma atmosfera e introduzir conflitos.



Já na segunda parte, Aproximação se configura como um filme de busca: de uma mãe por sua filha e de uma razão para compreender o inefável dos confrontos bélicos e religiosos. É nesse terreno espinhoso que Gitai consegue traduzir em imagens o estado de caos da Faixa de Gaza: o plano-sequência da retirada de religiosos recebe uma significância real em meio ao caos do exército se espremendo entre corpos. A câmera documenta e, ao mesmo tempo, reflete a condição de exílio de seus personagens. A partir desse entrecho, o realizador constrói as suas tomadas mais relevantes nos últimos sete anos. E Binoche é responsável por dois instantes de entrega artística quando reencontra em silêncio a filha do passado e torna marcante o gesto de abraçar em um registro repleto de sentimento. Em outro plano, agora o final, as sensações se invertem e o choro do descontrole passa a ser a única forma para lidar com a perda. O mundo se revela inteiro ali, entre esses dois planos.



Retrospectiva Amos Gitai - (LP)



DOM (26/9) 14:00 Instituto Moreira Salles []



DOM (3/10) 13:15 Estação Botafogo 3 [EB355]



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# MAIS TARDE VOCÊ VAI ENTENDER... (PLUS TARD, TU COMPRENDRAS...)



França/Alemanha, 2008 (89´)



por Luiz Fernando Gallego



Pouco mais de quarenta anos depois do término da II Guerra Mundial, um homem de meia-idade que já construiu seu próprio núcleo familiar (Hippolyte Grirardot) está obsessivamente voltado para a história de sua família de origem: sua mãe, agora bem idosa, é judia; e seu pai (já falecido), não. Como teria ela sobrevivido na França ocupada pelos alemães? Por que ele, nascido logo depois do final da guerra, conheceu seus avós paternos residindo no apartamento que havia sido dos pais de sua mãe, mortos por terem sido delatados depois de terem conseguido esconder-se por dois anos em um pequeno vilarejo do interior?



Após um breve prólogo e mínimos créditos iniciais, Mais tarde você vai entender mostra o interior da residência da Sra. Rivka (Jeanne Moreau). Ela está à vontade em sua casa, cozinhando, com lenço na cabeça e cabelo enrolado. Na TV ligada, o julgamento do “carniceiro” nazista Klaus Barbie (que de fato ocorreu em 1987). Ela abre as janelas, deixando o barulho da rua entrar, talvez para não escutar o que está sendo rememorado pelas testemunhas de acusação: depoimentos sobre a perseguição aos judeus na França.



Como em quase todo o filme, a cena é filmada em um longo plano-seqüência. Praticamente todos as cenas trazem a mesma estrutura de narrativa: a câmera procura os atores, acompanhando-os pelos cômodos, registrando seus diálogos indo de um rosto para o outro, sem o recurso infinitamente mais habitual de campo-e-contracampo.



Assim será na cena seguinte, quando a Sra. Rivka recebe o filho para jantar, agora com o cabelo arrumado, usando casaco, colar de pérolas, relógios em ambos os braços, cheia de jóias e anéis. A cada tentativa de indagação do filho sobre o passado, ela responde com outro assunto, muda a conversa, introduz temas banais - e o que não é dito começa a falar mais alto do que qualquer esclarecimento objetivo.



O talento extraordinário de Jeanne Moreau, em um de seus maiores desempenhos, começa a se impor, sem jamais cair na caricatura da “mãe judia”, mas universalizando a atitude de mães idosas quando não querem falar do passado. Mais adiante, um encontro entre ela e sua nora (Emanuelle Devos) trará outro breve diálogo cheio de elipses: uma sugere um assunto distantemente alusivo ao ponto onde quer chegar, a sogra desconversa perguntando sobre o chá, a nora recua aceitando o novo “assunto”... enfim, falam como quem dança um minueto, em um duo de interpretações femininas digno de antologia.



É uma pena que o diretor Amos Gitaï tenha “encenado” uma cena imaginada pelo personagem masculino central que mostra exatamente, e imediatamente em seguida, aquilo que lhe foi relatado por um homem (que na época era um menino) quando da prisão de seus avós maternos pelos nazistas. Esta cena - uma espécie de flashback imaginário e, para aumentar a tensão, abusando da “câmera na mão” que pode incomodar visualmente alguns espectadores - embora não seja ruim em si mesma, quebra por alguns minutos com o que é dominante (e mais forte) no filme, ou seja, o discurso paradoxal que fala de um passado trágico através do não-dito, dos silêncios e segredos de família. O indizível? O que não pode ser dito?



Mesmo assim, o filme preserva a força emocional de todo o restante, seja nos diálogos evasivos, seja no estilo da narrativa cinematográfica com os já mencionados planos-seqüência - nos quais a câmera parece buscar o que encontrar, quase sempre em vão.



Curiosamente, para certas perguntas de seus filhos sobre o mesmo tema com o qual ele está obcecado, o pai desconversa e responde vagamente. Porque ainda não sabe? Ou não que falar do que suspeita? Ele critica o silêncio de sua mãe, mas parece repetir a mesma postura com seus próprios filhos...



Vale a pena ainda prestar a atenção no melancólico tema musical, na câmera de uma das últimas cenas que “sai" por uma janela, mostrando a tão bela quanto “indiferente” paisagem parisiense para logo após retornar a corredores escuros; e - não é demais repetir – na interpretação de Jeanne Moreau que culmina em uma cena passada dentro de uma sinagoga.



Retrospectiva Amos Gitai - (LEP)



DOM (26/9) 18:00 Instituto Moreira Salles []



QUA (29/9) 21:30 Espaço de Cinema 1 [EC135]

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