A Mostra CineOP presta homenagem, em sua sexta edição, às chanchadas da Atlântida, principalmente através da homenagem a Carlos Manga, um dos principais diretores, ao lado de Watson Macedo, do período e da exibição de alguns de seus filmes, emblemáticos exemplares da comédia brasileira ao longo da década de 50.
Fase polêmica do cinema brasileiro – tomada pela adesão do público, mas considerada de reduzido valor artístico por seus enredos despretensiosos, na oposição ao movimento do Cinema Novo –, a chanchada da Atlântida rendeu instantes emblemáticos. Como esquecer a contracena entre Oscarito e Eva Todor na famosa cena do espelho em Dois Ladrões ? Ou a reprodução satírica da cena de Romeu e Julieta em Carnaval no Fogo , protagonizada pelos dois astros, Oscarito e Grande Otelo? Ou ainda toda a parte inicial de O Homem do Sputnik , potencializada pelo timing de Zezé Macedo?
Em Nem Sansão, Nem Dalila , um dos filmes exibidos na praça de Ouro Preto, o público se deparou com a história do barbeiro Horácio. A partir de um previsível recurso de roteiro (a alternância entre duas situações – a apresentação de uma máquina do tempo e uma fuga automobilística – que não têm nada a ver uma com a outra, mas acabam “se esbarrando”), Horácio vai parar no período Antes de Cristo, quando, ao usar uma peruca, adquire a força de Sansão. Carlos Manga constrói a chanchada por meio do contraste entre o tipo físico de Oscarito e o que tradicionalmente se espera da imagem de Sansão.
Esta discrepância sobressai em vários diálogos. Ao ser identificado como Sansão, Horácio/Oscarito é alvo de comentários debochados: “com esse corpo esquelético?”, “com esse corpo de mosquito?”. Mas as perguntas logo se dissolvem quando ele começa a quebrar correntes e derrotar legiões de guerreiros. Nem Sansão, Nem Dalila é um filme estruturado sobre contrastes: entre os personagens do século XX e os mesmos adaptados para o contexto de A.C., entre as linguagens de cada período, entre como a maioria se leva a sério e o tom irreverente adotado pelo protagonista, uma das marcas inconfundíveis de Oscarito. Ao ser informado de que a máquina do tempo o fez retroceder até A.C., Horácio exclama: “a Eva ta aí?”. Logo em seguida, diz: “A.C.? Isso aqui é Jacarepaguá”. Num outro momento, brinca com a formalidade das conjunções ao juntar algumas (“todavia”, “contudo”, “não obstante”) numa única frase.
Carlos Manga aproveita ainda o trânsito entre passado e presente através de referências ao governo de Getúlio Vargas (“Trabalhadores de casa, a situação política nacional...”, diz Horácio/Sansão, em dado instante). Menções ao rádio e a uma televisão iniciante na década de 50 do século XX também vêm à tona em pleno A.C. E o personagem principal garante: “vou criar a indústria do cinema”.
Se nesse início de século XXI a comédia no cinema vem sendo pautada, em parte considerável, por uma extensão da linguagem televisiva, Nem Sansão, Nem Dalila espelha uma época em que o humor decorria diretamente do talento histriônico dos atores.