Em alguns cinemas americanos, foi preciso afixar, nas bilheterias, um aviso de que A Árvore da Vida não seguia uma narrativa convencional e que o dinheiro do ingresso não seria devolvido a quem fosse embora durante a sessão. Parece exagero, mas tamanha precaução é justificada quando estamos diante de uma obra de Terrence Malick. Um dos raros sobreviventes do cinema de autor em Hollywood, ele faz filmes que em nada se assemelham à concepção do que seja cinema para as plateias lobotomizadas pela ditadura do entretenimento. Quando coloca em cena astros como Brad Pitt, há o risco de atrair desavisados sem a menor predisposição para se deixarem contaminar pela enriquecedora experiência sensorial, quase litúrgica, que é assistir a um filme de Malick.
É possível admirar esta obra-prima vencedora da Palma de Ouro em Cannes mesmo sem um contato prévio com o cinema de Malick. Basta notar a riqueza de elementos técnicos como a fotografia de Emmanuel Lubezki, a música de Alexandre Desplat, o desempenho magnífico do elenco (com destaque para Pitt e o jovem Hunter McCracken) e a montagem desnorteante (que coube a cinco profissionais, entre eles o brasileiro Daniel Rezende), sem falar na direção de arte, nos efeitos visuais...
Comparado com Stanley Kubrick pelo rigor e maestria com que desenvolve projetos ambiciosos e bem-sucedidos artisticamente, e pelo perfeccionismo que faz com que projetos se arrastem por anos até serem concluídos, os cinco filmes de Malick guardam semelhanças estéticas e temáticas entre si. De Terra de Ninguém (1973) a O Novo Mundo (2006), passando por Dias de Paraíso (1978) e Além da Linha Vermelha (1998), e agora este A Árvore das Vida. Apesar de ambientados em épocas e locações distintas, os personagens estão constantemente em transitoriedade, tentando encontrar o seu Éden em meio a exuberantes imagens de natureza. A narração em off se multiplica entre diversos personagens, e serve mais para desorientar do que para traduzir a trama.
A Árvore da Vida é seu filme mais enigmático, e tentar decifrar o que Malick quer transmitir não é fácil. Ele não dá entrevistas e sequer permite que o fotografem em público. A opção pela reclusão é um misto de excentricidade com a recusa em querer explicar sua obra. Nos filmes de Malick, o fundamental não é perceber o QUE ele está falando, e sim COMO ele transmite sua mensagem.
Para quem acha que a experiência só é completa se os dois elementos se apresentarem indissociáveis, a opção é buscar pistas sobre a trama do filme através de elementos autobiográficos. Pela primeira vez em sua carreira, parte da ação se situa no tempo presente, e é possível reconhecer Malick em seus personagens. Ele cresceu em Waco, no Texas, era o mais velho de três irmãos, e um deles se suicidou aos 19 anos na Espanha, onde estudava violão. No filme, Jack O’Brien (Sean Penn) é visto como um arquiteto angustiado em meio a arranha céus modernosos, e lembra da infância na mesma Waco de Malick, ao lado da mãe protetora (Jessica Chastain), do pai opressor (Brad Pitt) e dos dois irmãos mais novos. A morte de um deles (aos 19 anos), que tocava violão, é anunciada por um telegrama recebido pela mãe. É o ponto de partida de uma história que regressa até a formação das galáxias e a origem da vida na Terra, em uma antológica sequência de cerca de 20 minutos que remete a 2001, de Kubrick. Será que Malick quis ir até o início dos tempos para mostrar a insignificância de nossa presença transitória no processo cósmico, à luz da filosofia de Heidegger, em cuja obra ele é um especialista?
Pode ser, embora o diretor se recuse a fornecer respostas para várias questões que o filme deixa em aberto. É mais simples enxergar uma analogia entre a história da família O’Brien e a referência bíblica a Jó, presente desde a abertura. Mas há sempre algo mais a se apreender. Quando Jack atravessa uma espécie de portal e vai parar numa praia, onde encontra o reconforto espiritual através da presença de todos que marcaram a sua vida, percebemos nessa mensagem otimista mais do que os desígnios de Deus para o paciente Jó. Tal cena parece mesmo é uma citação explícita à obra-prima Oito e Meio, de Fellini - a mesma luz que devolveu a Guido/Fellini o vigor criativo e a esperança na vida, reconcilia Jack/Malick com seu passado e cura sua dor. De quebra, nos proporciona uma obra-prima do cinema contemporâneo.
# A ÁRVORE DA VIDA
EUA, 2011
Direção: TERRENCE MALICK
Roteiro: TERRENCE MALICK
Fotografia: EMMANUEL LUBEZKY
Edição: HANK CORWIN, JAY RABINOWITZ, DANIEL REZENDE, BILLY WEBER, MARK YOSHIKAWA
Música: ALEXANDRE DESPLAT
Elenco: BRAD PITT, SEAN PENN, JESSICA CHASTAIN, HUNTER McCRACKEN
Duração: 139 min.