Críticas


ENTRE SEGREDOS E MENTIRAS

De: ANDREW JARECKI
Com: RYAN GOSLING, KIRSTEN DUNST, FRANK LANGELLA
22.10.2011
Por Daniel Schenker
DORMINDO COM O INIMIGO

Famílias desestabilizadas na vida real tendem a chamar a atenção de Andrew Jarecki. Em Entre Segredos e Mentiras , atração da atual edição do Festival do Rio que chega amanhã aos cinemas, o diretor se debruça sobre o famoso desaparecimento de Kathleen McComack – mulher de Robert Durst, herdeiro do ramo imobiliário de Nova York – em 1982. Na tela, Katie Marks some numa época em que seu casamento com o descontrolado milionário David está em franca derrocada. Anos depois, com a reabertura do caso, ele é intimado a depor.



O cineasta se detém sobre a personalidade de David, que revela crescentes sinais de desequilíbrio. De início, o casal parece apenas ter projetos de vida diferentes: ela quer cursar faculdade de medicina. Planeja ter filhos, enquanto que ele não pode nem ouvir falar nessa possibilidade. Aos poucos, David demonstra que não suporta ser contrariado. Mais adiante, a falta de limite se impõe de maneira assustadora.



Compreensiva no começo da relação, Katie não demora a descobrir que está dormindo com o inimigo. Apesar de a infelicidade imperar tanto no glamour de Nova York quanto na casa de campo de Vermont, ela não consegue se desvencilhar a tempo do marido. Jarecki se esforça para evitar o maniqueísmo completo. Não desenha David como vilão tradicional – mesmo que seus atos, particularmente durante o período em que permanece foragido, explicitem indiscutível vocação para serial killer. Em Entre Segredos e Mentiras , ele desponta como um personagem incapaz de administrar traumas de infância causados por uma tragédia familiar.



Não é a primeira vez que Andrew Jarecki traz à tona ambientes domésticos carregados. Antes desse longa-metragem, assinou o excelente documentário Na Captura dos Friedmans , sobre a desestruturação de uma família a partir do instante em que o pai, Arnold, é acusado de abusar sexualmente de crianças para as quais dava aula. Todo este caso foi descortinado devido ao desejo do diretor de abordar a trajetória de um palhaço, David – ninguém menos que um dos filhos de Arnold Friedman.



Se antes Jarecki flagrou o pesadelo se impondo numa família de classe média, agora sublinha as verdades ocultadas por poderosos homens de negócios. Mas não foi tão promissor nessa investida no terreno da ficção. Em Entre Segredos e Mentiras , o cineasta transita por gêneros diversos sem alcançar um resultado muito orgânico. O longa-metragem se inscreve na vertente do drama conjugal, flerta com o terror psicológico e busca a batida acelerada do thriller a partir do instante em que a via-crúcis de Katie deixa de pertencer à esfera privada para se tornar um imbróglio público.



Andrew Jarecki procura manter a atenção do espectador por meio de uma trilha sonora que reforça os climas emocionais. Soa forçado e prejudica o filme. Não se deve, porém, perder de vista as qualidades. O diretor emoldura a história com um interessante panorama do submundo novaiorquino na virada da década de 70 para a de 80. E soma pontos com o bom trabalho dos atores – Ryan Gosling e Kirsten Dunst nos papéis centrais e Frank Langella como o empresário de ferro Sanford Marks.



Crítica publicada no jornal O Globo em 20/10/2011

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