Críticas


DEUS DA CARNIFICINA

De: ROMAN POLANSKI
Com: KATE WINSLET, JODIE FOSTER, CHRISTOPH WALTZ, JOHN C. REILLY
07.06.2012
Por Marcelo Janot
O DECLINIO DA CIVILIZAÇÃO

O espectador não deve se assustar com o fato de “Deus da Carnificina” ser adaptado de uma peça teatral. A ação se passa toda dentro de um apartamento, em tempo real, mas o filme está longe de ser maçante. Ao longo de sua carreira como diretor, Roman Polanski trabalhou com maestria as limitações do espaço cênico em obras como “Repulsa ao sexo”, “O inquilino” e especialmente “A Morte e A Donzela”, também adaptado de um texto teatral.



Diretores como Mike Nichols, em “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, e Sidney Lumet, em “Longa jornada noite adentro”, mostraram que não basta a peça ser boa. A força cinematográfica destes pungentes dramas familiares se deve muto ao talento de atores que sabem se relacionar com a câmera. É por isso que ao reunir em cena um elenco primoroso, os 80 minutos de duração de “Deus da Carnificina” passam voando. É tempo mais que suficiente para que o sarcástico personagem de Christoph Waltz, um advogado sem ética envolvido num escândalo farmacêutico, atenda nada menos que 12 chamadas de celular; para que sua mulher (Kate Winslet) transforme o desconforto psicológico em físico num vômito carregado de simbolismo; para que o discurso de Penelope (Jodie Foster), cheio de indignação com causas terceiro-mundistas, caia em contradição ao ser confrontada com sua mesquinhez pequeno-burguesa, ao lado do marido supostamente inofensivo vivido por John C. Reilly.



Primeiro oferece-se um café, em seguida um bolo de aparência duvidosa, até desembocar no whisky. A aparente cordialidade ditada pelas normas sociais no início do filme aos poucos vai sendo substituída por uma agressiva troca de confidências e insultos. A intimidade dos casais é exposta a ponto de mostrar o quão frágil pode ser a barreira da auto-censura que nos protege do contágio com o estranho que mora na porta ao lado.



Uma briga no parque entre os filhos dos dois casais é o que desencadeia tudo isso, pretexto para um retrato complexo e incômodo de supostos paladinos da civilidade, nos quais certamente nos reconheceremos em alguns ou vários aspectos. Não obstante o talento com que transforma o texto teatral em cinema, Polanski, aquele que ainda permanece proibido de pisar nos Estados Unidos por um suposto estupro cometido em 1977, sabe mais do que ninguém como fazer de “Deus da Carnificina” um filme sobre a eterna obsessão das sociedades ditas civilizadas em dividir o mundo entre vítimas e culpados.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário