Críticas


PROMETHEUS

De: RIDLEY SCOTT
Com: NOOMI RAPACE, MICHAEL FASSBENDER, CHARLIZE THERON
25.06.2012
Por Patricia Rebello
PROMESSAS DE UM VELHO MUNDO

Prometheus, a prometida "continuação" de Ridley Scott para Alien, o oitavo passageiro (1979) é uma conta meio complicada de fechar, seja para o espectador que tem certa familiaridade com a obra do diretor, seja para quem chega atraído pela perspectiva de um bom filme de ficção científica - afinal, as duas únicas incursões de Scott orientadas para o tema se tornaram como que emblemáticas do gênero (além do já citado Alien, o remarcável Blade Runner, de 1982). Só que para a geração mais nova, que se habituou a associar ficção científica à pancadaria e o ritmo frenético dos Vingadores, Homem de Ferro e a saga dos vampiros, Prometheus corre o risco de ser taxado de lento (é porque eles não conhecem Tarkovsky, mas deixa pra lá...). É também bastante improvável que eles comprem a opacidade (do enredo e do cenário). Contudo, é um filme que precisa ser visto, pelo tanto de questões que é capaz de iluminar.



Depois de Alien e Blade Runner, Ridley Scott trilhou uma filmografia pra lá de eclética, indo do road movie (Thelma e Louise, 1991) ao épico histórico (Gladiador, 2000), do suspense (Hannibal, 2001) ao filme de aventura (Robin Hood, 2010). Todavia, uma característica particular (uma filosofia, quem sabe) alinha todos esses títulos: seus protagonistas são, inevitavelmente e independente de gênero, estrangeiros em suas próprias vidas, condenados a olhar o mundo ao redor através dessa distância. Se perceber a partir da diferença, e descobrir o conforto ao fazer as pazes com a inadequação, talvez seja uma maneira de compreender o cinema de Ridley Scott. E um bom ponto de partida para refletir sobre seu mais recente trabalho.



Sem querer entregar muita coisa sobre a história, vamos dizer que ela começa numa "sopa orgânica" que pode muito bem ser interpretada como o momento em que o homem aparece no mundo. Ou não. "Para criar, às vezes é preciso primeiro destruir", diz em determinado momento o enigmático androide David (numa interpretação soberba de Michael Fassbender e, bem, os fósseis dos dinossauros estão aí pra confirmar, certo?). Ele, assim como a bela Meredith Vikers (Charlize Theron), faz parte da tripulação da nave Prometheus, que leva a bordo uma expedição científica patrocinada pela Weyland Corporation. Estamos no ano de 2093, três anos depois dos arqueólogos da equipe, Dra. Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Dr. Charlie Holloway (Logan Marshall-Green), identificarem um "mapa estrelar" que vem se manifestando em diferentes culturas e raças ao longo da existência do homem sobre a terra. Para os arqueólogos, trata-se de uma pista de nossos criadores (a quem eles chamam de "Engenheiros"), um "convite" à humanidade para conhecer sua verdadeira origem. Já para a multimilionária companhia que abriu a trilha indicada no mapa, o que está em jogo é a busca pelo Santo Graal: a descoberta da equação química da imortalidade. Aos primeiros, interessa saber as razões pelas quais fomos criados. Aos segundos, qual o segredo que permite à máquina funcionar para sempre.



Para a turma da velha guarda que ainda associa o nome do diretor à trilha sonora do grupo Vangelis (tema de você-sabe-qual-filme), Prometheus é a um só tempo muito óbvio, mas também sedutor. É inegável que está diretamente relacionado a Alien: as citações ao clássico de 1979 são incontáveis (e jogue a primeira pedra o veterano que não se divertiu procurando, a começar pela cena do androide na quadra de basquete), e a própria história é conduzida da maneira a produzir esse encontro. Contudo, seria banal demais reduzir o filme a uma "continuação": Prometheus deve ser associado a uma noção de "complementaridade". Por isso, é bem mais interessante pensá-lo em relação às duas obras de ficção científica anteriores de Ridley Scott do que uma história isolada em si. Por isso, também pode-se referir a ele como uma conta difícil de fechar: de estrutura assumidamente aberta, passível de diferentes leituras, o filme é muito mais um convite para pensar a condição existencial do homem do que uma aventura intergaláctica (ainda que o bom uso das novas tecnologias de projeção e som faça de Prometheus uma experiência cinematográfica memorável).



Cronologicamente, a história de Prometheus se passa no intervalo de tempo entre Blade Runner e Aliens. O caçador de androides circula pela sombria cidade de Los Angeles do ano de 2019. Já o cargueiro espacial Nostromo captura uma transmissão de uma nave abandonada lá pelo começo dos anos 3000. Se em Blade Runner, o diretor lançava a questão sobre o que torna os homens diferentes das máquinas no desespero da replicante Rachel ao descobrir que, talvez, era possível que ela não fosse "gente de verdade", em Prometheus essa mesma questão é provocada em seu limite: David sabe que tudo aquilo que nos faz humanos (memórias, comportamento, conhecimento, hábitos e linguagem) também pode fazer parte dele, mas não basta para fazer dele um ser humano. Enquanto nos androides esse processo se dá por implantação, por transferência de dados, nos homens ele só é acessível a partir da experiência. Existe, em nós, uma operação de soma que é impossível no androide. E a história que o filme conta é que é justamente nessa diferença de operação sobre a subjetividade que repousa, ao mesmo tempo, o maior mal e a maior benção sobre a humanidade. Nem excessivamente humano, nem excessivamente androide: talvez seja essa a receita da felicidade segundo Ridley Scott.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário