Críticas


DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA

De: JOSÉ JOFFILY
Com: ROBERTO BOMTEMPO, DÉBORA FALABELLA, DAVID HERMAN, GUY CAMILLERI
04.04.2003
Por Carlos Alberto Mattos
DOIS PERDIDOS NUMA CIDADE SUJA

O diretor José Joffily e o roteirista Paulo Halm fizeram uma opção saudável em matéria de adaptação de uma peça teatral dos anos 1960: sem medo de trair o espaço cênico e as motivações originais de Plínio Marcos, procuraram correspondências atuais para o huis clos de Dois Perdidos numa Noite Suja. Tonho e Paco, que na peça eram imigrantes do interior de São Paulo vivendo em Santos, no novo filme viraram imigrantes brasileiros em Nova York. Manteve-se, assim, a situação de exclusão que caracterizava os personagens.



Por outro lado, o apelo marginal que corria solto no palco converteu-se em dubiedade de gênero na figura de Paco, aqui transformado numa moça que não aceita nenhuma identidade sexual, embora espertamente utilize essa confusão para ganhar a vida nas ruas e banheiros de Manhattan. O dilema central dos anos 60 – estar dentro ou fora do “sistema” – é sobrepujado por uma questão mais contemporânea: a relação com a própria identidade. Não apenas sexual, mas também a identidade pátria, outro motivo de altercações entre os dois personagens.



Na arrojada operação de reescritura, Halm valorizou as inflexões homossexuais que seriam apenas latentes no texto de Plínio Marcos. Daí, instala-se no filme uma dupla tensão: a sobrevivência em território alheio e a possível aproximação amorosa entre Tonho e a dúbia Rita/Paco. As diferenças entre eles também são exploradas de maneira interessante. Tonho é um mineirão careta de Governador Valadares que só pensa em voltar para o Brasil. Paco, ao contrário, almeja integrar-se à paisagem americana mediante o consumo de drogas pesadas, o sonho com uma carreira no hip hop e o mergulho sem rede no sexo clandestino. O jogo de solidariedade e rivalidade entre os dois instiga o espectador a acompanhá-los.



Apesar de um certo tom monocórdico na direção dos atores e algumas passagens menos verossímeis (exemplo: Tonho comete um crime no ambiente de trabalho e sai despreocupadamente com o uniforme), José Joffily consegue realizar o fundamental de sua proposta, que é manter a intensidade nas longas cenas de dialogação. Uma legítima energia teatral emana do jogo cênico entre Roberto Bomtempo e Débora Falabella, o que constitui a melhor maneira de ser fiel ao legado de Plínio Marcos.



O filme dá provas, ainda, de um modelo de produção ajustado às características brasileiras. Custou apenas 1,1 milhão de reais (pouco mais que um filme de baixo orçamento) e tem muitas cenas externas filmadas em Nova York, com a participação dos atores principais. Todas as tomadas interiores foram feitas no Rio, com os coadjuvantes americanos trazidos para filmar aqui. Esses espaços estão muito bem conciliados pela direção de arte, a fotografia e a edição de som.



Um capricho do destino fez com que Dois Perdidos numa Noite Suja fosse um dos primeiros filmes a incorporarem dramaticamente a tragédia de 11 de setembro de 2001. Cinco dias antes do atentado às torres gêmeas, a equipe finalizava a primeira parte das filmagens, correspondentes ao passado recente de Tonho e Paco. Quando voltaram para filmar o tempo atual no inverno, o episódio já era um eco doloroso na cidade. Joffily foi elegantemente sutil nessa referência, mas ela está lá sob a forma de um elipse histórica.



DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA

Brasil, 2002

Direção: JOSÉ JOFFILY

Roteiro: PAULO HALM

Fotografia: NONATO ESTRELA

Montagem: EDUARDO ESCOREL

Direção de arte: CLÁUDIO AMARAL PEIXOTO

Edição de som: MIRIAM BIDERMAN

Música: DAVID TYGEL

Canção-tema: ARNALDO ANTUNES

Elenco: ROBERTO BOMTEMPO, DÉBORA FALABELLA, DAVID HERMAN, GUY CAMILLERI, JOHN GILEECE, RICHARD VELAZQUEZ, THEODORIS CASTELLANOS, DANIEL PORTO

Duração: 100 min.

Site www.doisperdidos.com.br

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