Especiais


36ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO

29.10.2012
Por Daniel Schenker
36ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO

Mesmo que a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo procure oferecer ao público o tradicional cardápio com os filmes mais representativos do momento, há uma declarada tendência a não repetir a seleção do Festival do Rio. São poucos os títulos (a exemplo de Tabu , de Miguel Gomes) encontrados nos dois eventos. Em todo caso, emoldurando a programação contemporânea, a Mostra brindou os espectadores com uma retrospectiva de filmes de Andrei Tarkovski, complementada por produções realizadas sobre ele. Duas exposições e um livro ( Instantâneos , da Cosac Naify) revelam as polaroides do cineasta – preciosos flagrantes de sua vida na Rússia e no exílio italiano. Para completar, mais retrospectivas: dos diretores Sergei Loznitsa, Minoru Shibuya e Miguel Gomes. Homenageados por meio de obras representativas, Chris Marker e Carlos Reichenbach. Clássicos ainda valorizaram a atual edição – Nosferatu , de F.W. Murnau, Lawrence da Arábia , de David Lean, e Tubarão , de Steven Spielberg. Na Perspectiva Internacional, o público vem revelando muito interesse em torno de diversos filmes, alguns abaixo resenhados.





O Gebo e a Sombra



É possível traçar alguma conexão, mesmo que longínqua, entre O Gebo e a Sombra , texto teatral do português Raul Brandão (1867-1930), e Tio Vanya , peça do russo Anton Tchekhov (1860-1904), no que diz respeito ao contraste entre a revolta e o conformismo frente a situações estagnadas. Se em Tchekhov o próprio Tio Vanya transita entre esses extremos e a sobrinha, Sonia, simboliza a resignação diante de uma existência abortada, na obra de Mourão há um claro contraste entre Gebo e sua mulher, Doroteia. Enquanto ele afirma aceitação à limitação econômica e ao cotidiano sem maiores perspectivas, ela externa a insatisfação decorrente do descompasso entre sonho e realidade. “Por dentro, só tenho gritos. Mas falo baixo”, sintetiza Gebo, a respeito de seu estado emocional.



Gebo, na verdade, oculta da mulher e da nora, Sofia, informações sobre o filho, João, numa atitude que pode ser facilmente traduzida como generosa, mas que contém certa arrogância, na medida em que ele não se questiona sobre a certeza que tem acerca da reação da mulher, caso ela descubra a verdade. Essa “trama” é descortinada pelo cineasta Manoel de Oliveira por meio de divisões bem marcadas. Num primeiro movimento, o público acompanha a relação conflituosa entre Gebo, Doroteia e Sofia, que termina com o retorno de João. No segundo ato entram personagens secundários, os visitantes. Com a saída deles, Mourão/Oliveira investe em embates entre duplas de personagens – entre João e Doroteia, João e Sofia.



Manoel de Oliveira assume a origem teatral ao filmar praticamente em locação única (a modesta casa de Gebo, reconstituída em cuidadosa direção de arte), com brevíssima saída para a rua. Os atores permanecem, durante boa parte do tempo, sentados numa mesa, de frente para a câmera. O Gebo e a Sombra é um filme que valoriza o texto e os atores, bases do cinema de Oliveira. Na escalação, o cineasta marca fidelidade a Leonor Silveira, com quem trabalha desde o excelente e singular Os Canibais , Luís Miguel Cintra e ao neto Ricardo Trêpa. Também volta a conduzir nomes renomados do cinema internacional – aqui, as divas Jeanne Moreau e Claudia Cardinale e o ator francês Michael Lonsdale.





A Parte dos Anjos



Ken Loach não nega a sua filiação a um afetuoso cinema engajado em A Parte dos Anjos , filme consagrado com o Prêmio do Júri no Festival de Cannes. Protagonista da história, Robbie (Paul Brannigan) é flagrado num momento determinante: precisa decidir se enveredará pela criminalidade, caminho no qual vem transitando, ou se partirá para uma reabilitação em nome do filho recém-nascido. Ele conta com solidariedade para reescrever sua história e oportunidade concreta ao descobrir afinidade com o refinado mundo da degustação de uísque, totalmente contrastante em relação ao seu universo pouco abastado. Ainda assim, afirma em dado instante: “estou com medo de mim”. Pavio curto, teme não controlar os próprios impulsos diante de provocações e por tudo a perder definitivamente.



À medida que a projeção avança, porém, o diretor dos excelentes Terra e Liberdade e Meu Nome é Joe aborda a jornada de Robbie com gravidade decrescente. Passa a priorizar o humor em detrimento do drama social. E mostra que há um largo horizonte entre o banditismo e a conduta correta.





No



Apesar de trazer à tona um momento político conturbado na história do Chile – o plebiscito que questionou a permanência do ditador Augusto Pinochet no poder, em 1988 –, o diretor Pablo Larraín assina um filme menos polêmico, sob o ponto de vista artístico, se comparado ao perturbador Tony Manero .



Em No , escolhido para abrir a Mostra, o público testemunha as estratégias de campanha, os bastidores do poder, as discussões internas e a tensão crescente – não só em relação ao resultado como ao risco vivenciado pelos opositores de Pinochet, a exemplo do publicitário René Saavedra (Gael García Bernal), vigiados de perto durante o processo. Larraín entrelaça questões amplas – a alienação do povo – e intimistas – a vida afetiva de Saavedra –, escorado em O Plebiscito , peça de Antônio Skármeta, autor mais conhecido por O Carteiro e o Poeta , que precisou sair do Chile na época do golpe militar, em 1973.





Entre o Amor e a Paixão



Não há nada de muito específico na história contada por Sarah Polley em Entre o Amor e a Paixão , centrada na desestabilização do casamento de Margot (Michelle Williams) e Lou (Seth Rogen) a partir do momento em que ela conhece o vizinho Daniel (Luke Kirby). A intensidade da nova atração faz com que determinadas ausências na relação conjugal se agigantem: Margot percebe que Lou não responde de maneira expressiva ao jogo de sedução dela. Ou talvez o marido, de perfil mais convencional, seja mais próximo do que demonstre.



A diretora busca na delicadeza um diferencial ao abordar esse triângulo amoroso. Essa intenção é perceptível no emprego da trilha sonora e na tendência dos personagens ao sussurro. Mas Sarah Polley, que já voou mais alto em filmes como Longe Dela e, mais recentemente, Histórias que Contamos – Minha Família , não consegue muito mais do que se aproximar de um certo padrão de cinema feminino. Independentemente das restrições, o espectador tem que se esforçar bastante para acompanhar as legendas em português em várias cenas. Faltou cuidado na hora de estampar as legendas sobre imagens claras.





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